Junho, 09. Pela primeira vez nestes
Mundiais, o dia amanhece airoso. Conseguem descortinar-se alguns
pedaços de céu azul, a temperatura é amena e não sopra vento.
1. Pela primeira vez nestes
Mundiais, o dia amanhece airoso. Conseguem descortinar-se alguns
pedaços de céu azul, a temperatura é amena e não sopra vento.
Quem se refere a Dundee como “o recanto solarengo do Reino Unido”
sabe do que fala. Sobretudo depois de vermos os estragos que o mau
tempo das últimas horas provocou no País de Gales.
2. Na derradeira viagem de
Mini-Bus a caminho de Tentsmuir, voltamos a ter Lyn West por
companhia. Duma nova troca de ideias particularmente construtiva,
retenho um conselho. “Avalia quantos voluntários vais precisar
para uma prova e multiplica esse número por dois. Nas alturas em que
mais precisas, há sempre aqueles que não vão aparecer. Por mais
válidas que sejam as suas razões!”
3. Vivo e sinto intensamente
este último dia dos Mundiais. Uma certa nostalgia faz com que a
floresta pareça mais bela que nunca. Os pássaros, no seu trinado,
constroem verdadeiras sinfonias e o mar, que apenas se escuta,
abre-se de súbito ante os nossos olhos. Impressiona o facto de
sermos tantos ali à volta e não se ouvir um pequenino ruído que
seja. Parece que andamos todos em bicos de pés, para não
perturbarmos a concentração uns dos outros. De facto, isto não tem
mesmo nada a ver com a realidade dos nossos atletas, das nossas
provas, do nosso País!
4. Sou o primeiro a completar a
prova, o que me vale uma ida à cabine de som e o transmitir de
algumas palavras. Fica o agradecimento a uma organização que tão
bem nos soube acolher, a todos aqueles que trabalharam no sentido de
que estes Mundiais fossem um êxito e a todos quantos quiseram
partilhar connosco algo do muito que sabem. E um desejo: Que nos
voltemos a encontrar brevemente, em torno dum ideal chamado
Orientação de Precisão!
5. É verdade que o resultado
era o que menos interessava, mas confesso que esperava ter feito bem
melhor neste segundo dia. Mais tarde perceberei que há distrações
que se pagam caro e confirmarei que, num evento desta natureza, para
além do domínio das técnicas e duma estratégia adequada, a
experiência é fundamental.
6. Ao contrário de mim, o
Ricardo está muito contente. Subiu um lugar na classificação e,
para ele, os Mundiais acabaram por se compor. O café que bebemos,
enquanto discutimos animadamente as nossas opções, sabe
deliciosamente. Decidimos tomar outro. Chego à tenda e faço questão
de dizer que este foi o melhor café que bebi durante a estadia no
Reino Unido. A senhora agradece as minhas palavras, ao mesmo tempo
que me informa que já só tem mesmo um café. Paciência, mais vale
um que nenhum. Prepara-se, na hora. É instantâneo, bastam duas
colheres em pó e é só acrescentar água quente. Café instantâneo,
um Mokambo ou coisa do género, o melhor café desta viagem. Quem
diria!?
7. A chuva faz com que a
Cerimónia de Entrega de Prémios sofra um ligeiro atraso. É tempo
de celebrar os vencedores e de lhes prestar a devida homenagem. Stig
Gerdtman e Ola Jansson dão uma saborosa vitória dupla à Suécia,
repetindo precisamente o mesmo resultado alcançado há dois anos
atrás, em Trondheim. A Finlândia vence por equipas. A Grã-Bretanha,
anfitriã destes Mundiais, tem em Ian Ditchfield uma solitária
presença do pódio. A Noruega acaba por ser a grande derrotada dos
Campeonatos, não conseguindo, pela primeira vez na sua história,
classificar qualquer atleta nos seis primeiros lugares.
8. Regressamos para o derradeiro
ato destes Mundiais. A Cerimónia de Encerramento volta a ser um
momento de grande dignidade, pontuado pela passagem de testemunho à
Finlândia como País organizador dos próximos Campeonatos do Mundo.
Segue-se o banquete, com muita festa e animação, vinho a acompanhar
a refeição, molhos à base de whisky e música ao vivo. Música de
ressonâncias célticas, à solta em West Park, dançada a preceito
por gente de saias!
9. Os ritmos vivos
interrompem-se de súbito para dar lugar a uma dolente balada. As
cadeiras de rodas pisam agora a improvisada pista de dança em frente
ao palco do Auditório. Embalados na música, Chris James e Marina
Borisenkova rodopiam em torno um do outro, protagonizando aquele que
será, para mim, o mais belo momento dos Mundiais. Absolutamente
sublime!
10. Porque tudo tem um fim, é
tempo de despedida. Dos Mundiais recolhe-se a experiência, o
convívio, a camaradagem e um valioso conjunto de ideias em relação ao futuro
imediato. Das conversas com Owe Fredholm, Knut Ovesen e Roberta Falda
retiro um par de recomendações com vista aos trabalhos dos Europeus
de 2014. Da minha convivência com o Ricardo saem reforçados os laços
de amizade e a certeza de poder contar com ele para o futuro. Até
2013, em Vuokatti!
Saudações orientistas.
JOAQUIM MARGARIDO
Junho, 08. Terrível noite mal
dormida. O vento e a chuva, misturei-os nos meus sonhos com mapas e
bússolas. E gigantescos sacos de plástico para abrigar o Ricardo.
1. Terrível noite mal
dormida. O vento e a chuva, misturei-os nos meus sonhos com mapas e
bússolas. E gigantescos sacos de plástico para abrigar o Ricardo.
Saio para tomar o pequeno almoço e os meus piores receios parece que
não se confirmam. O tempo está menos agreste do que supunha e, pelo
menos por agora, não chove. Só o vento sopra rijo, colocando uma
nota de invernia nesta segunda quinta-feira de Junho, às portas do
Verão.
2. O Campeonato do Mundo de
Orientação de Precisão vai começar. Deito uma última olhadela
às nossas coisas, confirmo os horários. O Ricardo será dos
primeiros a partir, quando forem 10h09; eu sairei ás 10h44. Temos um
longo dia pela frente.
3. A viagem até Tentsmuir
faz-se na companhia da comitiva húngara. Viajamos em silêncio. E em
silêncio, após a nossa chegada, remetemo-nos ao aconchego duma
recatada tenda, recheada de japoneses e americanos. Olhamos para a
bandeira da IOF sacudida pelo vento. Tentamos adivinhar-lhe a
direção. Alguém trouxe uma bússola?
4. Confirmo junto de Anne
Braggins que o Ricardo terá assistência na deslocação durante a
prova. A Diretora destes Mundiais recebe-me com um sorriso e, à sua
curiosidade, respondo que já ganhámos a nossa medalha e que a
quantidade de ensinamentos que vamos recolhendo dia após dia vale
ouro. Fala-me do seu “staff”, dos muitos indisponíveis e de
estarem a trabalhar nos mínimos. Têm um “núcleo duro” de
aproximadamente dez pessoas, outras dez bastante próximas e são, no
total, 72 pessoas a trabalhar nesta organização, 50 das quais
aqui a tempo inteiro. Percebo nisto um recado. Portugal prepara os
Europeus de Orientação de Precisão em 2014 e não podemos adiar
por muito mais tempo o início dos trabalhos.
5. Viajo em mini-autocarro
para as partidas. Quase a chegar, um sobressalto: esqueci-me do
cartão de controlo na mochila. É irlandês o meu companheiro de
viagem e logo me tranquiliza ao dizer que não serei o único a
esquecê-lo e que a organização deverá ter nas partidas
cartões a mais. Com efeito!...
6. Acerto os dois primeiros
pontos cronometrados e gasto 15 segundos apenas. Os Mundiais não
poderiam ter começado da melhor forma. À medida que a prova vai
decorrendo, começo a perceber que todos os atletas têm uma
estratégia própria de abordagem aos vários pontos. Marit Wiskell
não se afasta muito do ponto de observação, Lauri Kontkanen já
circula mais em torno dos pontos, tal como Ivo Tilsjar. Remo Madella
quase dá a volta à floresta para aferir a sua resposta no ponto 4.
Quanto a mim, não sei se fique, não sei se vá. Vou!
7. A prova corre-me bem.
Embora sinta como certas as respostas dadas em apenas três ou quatro
pontos, tenho a impressão que talvez tenha conseguido uma
percentagem superior a cinquenta por cento de respostas certas. Não
erro por muito. Dos 22 pontos que compunham este primeiro dia de
provas, acerto 11. Na verdade acerto 10, já que houve um ponto
anulado pela organização e no qual tinha dado uma resposta
acertada. Não me sinto frustrado, foi uma bela experiência, embora
a minha aspiração de ficar entre os 50 melhores do mundo tenha ido
completamente por água abaixo.
8. O Ricardo está
inconsolável. Depois da excelente prestação no Model Event, os
sete pontos conseguidos deixam-no “à beira de um ataque de
nervos”. Digo-lhe que, tal como eu, tem tudo a aprender e nada a
provar. Mas compreendo a sua desilusão, o seu desconsolo. Diz-me que
amanhã vai vingar este resultado menos conseguido. Mas como? Fez
aquilo que sabia e amanhã vai voltar a fazê-lo, que isto da
Orientação de Precisão não se aprende dum dia para o outro.
9. Aproveitamos o início da
tarde para conhecer um pedacinho de Dundee. É uma cidade pequenina e
simpática, com um bom par de ruas comerciais apenas para peões,
museus, galerias e um espaço comercial de excelência, bem no centro
da cidade. Uma rede de transportes públicos adaptados deixam-me
muito agradavelmente surpreendido. Entre as obras que revolvem toda a
frente ribeirinha do Tay, descortina-se, imponente, o RRS Discovery,
o primeiro navio a ser construído especificamente para pesquisa
científica. É nele que embarcamos e, sob as ordens do Capitão
Scott, atingimos o Pólo Sul nesse distante 17 de Janeiro de 1912.
10. O Trail-O Meeting de hoje
é marcado pelo anúncio dum ponto anulado, precisamente o primeiro.
A queixa partiu da Finlândia e baseou-se na incorreta colocação
das balizas. Na Orientação de Precisão tudo tem de bater certo e,
por sinal, havia ali uma árvore "fora do sítio". Mas os aspetos negativos não se quedam por aqui. Considera-se que o mapa não está à altura dum Campeonato do Mundo, o traçador de percursos ofereceu vários pontos de “bingo”, como lhes chamaria Lauri
Kontkanen, e os atletas paralímpicos viram as suas provas muito dificultadas, não apenas pela desadequada assistência de jovens sem preparação, mas também pela deficiente colocação dos pontos em termos da sua visibilidade. No segundo dia as coisas viriam a correr bastante melhor, mas
a nódoa nos Campeonatos, essa, não há como a fazer desaparecer.
11. Deitadas para trás das
costas as agruras do primeiro dia de provas, o jantar faz-se à mesa
do conjunto da Polónia. Ágata Ludwiczak é uma atleta paralímpica
que tem uma queixa. A assistência dada às pessoas em cadeira de
rodas, por parte de miúdos com 14 e 15 anos, não foi a melhor. É
claro que esta foi uma experiência fantástica para os jovens, é
óbvio que eles constituiram um recurso de valor inquestionável para
a organização. Mas se a desvantagem de progredir em cadeira de
rodas é um facto, aqui tornou-se mais evidente ainda. Ágata opina
que deveriam ter participado no Model Event e, em cadeira de rodas,
deveriam ter feito a prova empurrando-se uns aos outros. A ideia é
brilhante e, em situações semelhantes, devemos pô-la em prática em
Portugal. Para a Ágata, o ideal é que os jovens sejam substituídos por militares: Altos,
fortes, fardados!
[Confira as fotos em
https://plus.google.com/u/0/photos/108054301526873509793/albums/5754567760673303329]
Saudações orientistas.
JOAQUIM MARGARIDO
Junho, 07. Model
Event, a grande oportunidade para levantar o moral, depois do pouco
animador resultado no Troféu Mundial de TempO.
1. Model Event,
a grande oportunidade para levantar o moral, depois do pouco animador
resultado no Troféu Mundial de TempO. “Ibéria unida, na fortuna e
na desgraça”, diria o meu amigo Roberto Munilla e não poderia
estar mais de acordo com ele. Mas antes, a viagem até ao muito
procurado Parque de Merendas de Kinshaldy, num pouco simpático dia
cinzentão mas sem chuva. Por enquanto!
2. O Roberto
seguirá de carro diretamente para a prova e o lugar vago é ocupado
por Lyn West. Senta-se à frente na viatura, entre o condutor e um
jovem japonês. Salto do lugar, desalojo o japonês e instalo-me ao
lado da Presidente da Federação Britânica de Orientação. Essa
nossa conversa até Tentsmuir ficará registada no meu gravador. Para
mais tarde transcrever… e partilhar!
3. Vamos lá
então ao Model Event. Vento e mar por pano de fundo. O percurso tem
10 pontos, complementado por dois pontos cronometrados. Desde logo,
confirmo aquilo que o Roberto já me tinha dito. Por muito boas que
sejam para a Orientação Pedestre, estas nossas bússolas não são
adequadas para a Orientação de Precisão. Fazem-lhes falta a régua
graduada ao milímetro. Mais tarde perceberei que uma boa base para
assentar no mapa também é importante, bem como a extensão da
régua. Quanto maiores, mais aferidas são as “miras” que a partir
delas se tiram. E pensar numa lupa como a do Ivo Tilsjar talvez também não seja má ideia!
4. Acompanho o
Ricardo, auxilio-o na progressão. Onde ele pára, eu paro também.
Ajudo-o a deslocar-se para um lado e para outro para melhor conferir as
suas tomadas de decisão. No entretanto, vou estudando o meu próprio
mapa e fazendo algumas fotos dos pontos e de um ou outro concorrente.
No final de cada ponto, comparamos as respostas. Explico-lhe o como
das minhas certezas, exponho-lhe o porquê das minhas dúvidas.
Estamos em desacordo num bom par delas. Dou de barato que falhei no
ponto três por deficiente leitura da sinalética. E ele terá
decidido bem? No final saberemos quem tem razão.
5. Estamos os
três – o Roberto, o Ricardo e eu – sentados à "mesa das
sentenças". Contas feitas, acertei quatro questões, o Roberto seis e
o Ricardo oito. Curiosamente, acertámos todos nos pontos
cronometrados e com tempos muito interessantes. O Roberto diz que sou
um “forjador de diamantes”, visando o Ricardo e manifestando-lhe
a sua admiração por ter conhecido a modalidade apenas há três meses atrás. Oito em doze, quem diria? Grande Ricardo. Valeu-se
dos conhecimentos, de alguma intuição e, sobretudo, não complicou.
Estou muito orgulhoso dele, estou muito feliz por ele. Tenho a
expectativa que amanhã, já a doer, a surpresa será maior ainda!
6. A tarde é
aproveitada para conhecer um pouco da região. Seguimos de carro
diretamente até St. Andrews, em cuja Universidade, com quase 600
anos de existência, se graduaram o Príncipe William e a sua esposa,
Kate Middleton. Independentemente deste fenómeno de popularidade, a
Universidade de St. Andrews está entre as vinte melhores do mundo em
Artes e Humanidades. Além da excelente qualidade de pesquisa e
ensino, possui um ambiente académico extremamente estimulante e tem
professores – muitos deles verdadeiras referências mundiais –
que interagem e participam ativamente com os alunos.
7. Um passeio
pelo centro de St. Andrews leva-nos ao encontro duma cidade que se
move num eixo entre duas avenidas cuja largura suaviza a austeridade
dos edifícios. Há ainda a Catedral com a bonita Torre de St. Rule,
o Castelo, as praias de areia dourada e os campos de golfe. Sim, ou
não fosse St. Andrews a pátria do Golfe, com uma primeira
referência histórica a datar de 1552. Aliás, o Golfe está por
todo o lado, nas montras e nas lojas, na igreja (onde se vendem três
bolas por uma libra) e mesmo no cemitério.
8. Parece que
muitas das comitivas tiveram a mesma ideia que nós. Cruzamo-nos nas
ruas com checos e noruegueses, almoçamos no Restaurante ao lado dos
polacos. Restaurante onde, por sinal, se comeu muito bem e por um
preço correcto. A acompanhar o meu bife, um shiraz com cabernet
sauvignon muito delicado e feminino, muito Novo Mundo. O Roberto ainda hoje está
a dar voltas à cabeça como é que eu descobri que o vinho era...
australiano!
9. O regresso
faz-se junto à costa, parando para curtas visitas a Crail e
Anstruther. À medida que a tarde cai, a chuva parece querer aumentar de intensidade. Fala-se em temporal na região sudoeste de
Inglaterra e que avança nesta direção. A prova de amanhã tem mais
uma preocupação acrescida. Ainda estamos longe de Dundee e o
Trail-O Meeting é daqui a vinte minutos. O Roberto bem procura andar
um pouco mais depressa, mas a estrada estreita não o permite. É
realmente surpreendente como Portugal tem estradas extraordinárias
quando comparadas com estas daqui. Mas não serão precisamente todos esses
excessos que agora andamos a pagar? E com juros!
10. Jantamos de
novo à mesa da Dinamarca. E de novo recolho de Søren Saxthorp um
par de lições importantes. Diz-me que a mulher fez o mesmo percurso
que nós, mas com descrições diferentes nos vários pontos. Um
percurso tornado mais fácil graças aos artifícios da sinalética.
Porque não me lembrei disto antes? Não será mais necessário
preocupar-me em fazer um percurso para a Elite e outro para a
Formação. Podem ser os dois percursos num só, com o mesmo número
de pontos ou não. Neste caso, apenas devo ter o cuidado de marcar o
número de cada estação com diferentes cores: Azul para a Elite,
amarelo para a Formação. Obrigado, Søren!
[Confira as fotos da jornada vespertina de St. Andrews em https://plus.google.com/u/0/photos/108054301526873509793/albums/5753786359892685169]
[Confira as fotos da jornada vespertina de St. Andrews em https://plus.google.com/u/0/photos/108054301526873509793/albums/5753786359892685169]
Saudações
orientistas.
JOAQUIM MARGARIDO
Junho, 06. Viatura
com motorista à porta, um luxo. Antes disso, um pequeno-almoço à
inglesa (ou à escocesa) e, ainda antes, uma noite mal dormida, que
isto de Mundiais mexe – e de que maneira! - com uma pessoa.
1.
Viatura com motorista à porta, um luxo. Antes disso, um
pequeno-almoço à inglesa (ou à escocesa) e, ainda antes, uma noite
mal dormida, que isto de Mundiais mexe – e de que maneira! - com
uma pessoa. Depois este tempo invernoso, cinzentão, molhado. Apesar de não ser uma companhia bem vinda, a chuva parece estar aí para ficar. O
que se pode fazer? Camperdown Park é um paraíso de verde, tornado
opaco por esta cortina de chuva miudinha que persiste em cair.
Procuro ânimo num café duplo, mas aquilo que me cai em sorte não
passa duma sensaborona e morna água tingida, que rapidamente se
transforma na mais triste das companhias.
2.
As partidas atrasam-se para lá da meia hora. A tão badalada
pontualidade britânica parece não fazer escola neste canto das
terras de Sua Majestade. Reina o fairplay e só a chuva lá fora parece fazer mossa na disposição de alguns.
Encontro Roberta Falda, conversamos. Diz-me que desistiu da
competição o ano passado para se dedicar quase em exclusivo ao
treino. Confessa que não pode ser treinadora e concorrente ao mesmo
tempo. Percebo-a muito bem. Talvez deva analisar a minha própria
situação em termos de futuro.
3.
O Ricardo acaba de partir e estou preocupado com ele. O terreno está
pesado, os atletas em cadeira de rodas não têm assistentes e agora
a chuva cai com alguma intensidade. Falta uma boa meia hora para a
minha partida. Aproveito para visitar o Jardim Zoológico de
Camperdown Park. Não sei o que me espera em sorte e a modorra deste tempo
parece estar a mexer comigo. Uma enorme árvore estende os seus
braços mortos onde se acotovelam algumas aves de grande porte. De
quando em vez, uma cegonha lança o seu grito lúgubre. Poisado na rede,
do lado de fora, um melro apregoa um melodioso canto à liberdade.
4.
Completo o meu percurso. Derrota ou vitória? Tanto eu como o Ricardo
somos aqueles que, à partida, mais temos a ganhar. Assim, como
falar em derrota? A verdade, porém, é que da experiência do TempO acabo
por retirar muito pouco. Questões operacionais e logísticas à
parte (dá para perceber que um percurso destes, com oito estações, implica um número de
voluntários a rondar as quatro dezenas), aquilo que retiro é a
extraordinária dificuldade em lidar com o tempo. Num terreno com
algum detalhe, encontrar uma referência segura é, para o nosso
nível, quase como encontrar uma agulha num palheiro. E lá se foi um
minuto. O pior é quando o juíz nos avisa que já só temos 15
segundos para concluir a prova e ainda não demos uma resposta
sequer.
5.
O exemplo anterior corresponde à minha experiência no ponto 1.
Pareceu-me ter melhorado no ponto 2 e ter já alguns automatismos a
funcionar. Todavia, os pontos 3 e 4 fazem-me perder a fé em Deus ao
reconhecer que este é um nível de exigência brutal. Encontrar uma
referência segura apenas na última resposta e perceber
imediatamente que as duas respostas anteriores estão erradas dá
cabo do moral a qualquer um. E perceber, já com metade da prova
feita, que as linhas de norte estão na parte superior do mapa, idem,
idem, aspas, aspas. O tanto que tenho para aprender!...
6.
Troco impressões com o Ricardo. Para ele, a prova de TempO foi uma
lição. Desde logo porque lhe dói terrivelmente a mão e reconhece
que estamos mal habituados em Portugal em termos da qualidade dos
caminhos. Apesar de tudo, gostou muito da experiência, considera ser
um óptimo desafio e já só pensa em desenhar um percurso de TempO
no Parque da Prelada, uma prova a sério, que obrigue a decidir
rapidamente em situações de grande stress. “Muito desafiante”,
não se cansa de dizer. Deixo-me contagiar pelo seu entusiasmo. Para
o próximo ano temos de montar uma prova de TempO no III Open de
Orientação de Precisão do Hospital da Prelada.
7.
O Auditório de West Park recebe a Cerimónia de Abertura dos 9º
Campeonatos do Mundo de Orientação de Precisão. É uma cerimónia
digna, onde todos se sentem e tratam com amizade e carinho. Os
sorrisos estampam-se nas caras de todos. Dos japoneses aos suecos,
dos russos aos checos e a nós, portugueses. Eu e o Ricardo não nos
cansamos de fotografar e de ser fotografados. Vai saber bem recordar
mais tarde estes momentos tão especiais, de emoção e felicidade,
de orgulho de ser português e de, pela primeira vez, estar a
representar o País nesta grande competição.
8.
Depois da Croácia, hoje estamos sentados à mesa juntos com a
Dinamarca. Falamos da tradição orientista no país, da Maja Alm e
da Signe Søes, do Erik Skovgaard Knudsen e da Rikke Kornvig, dessa
extraordinária vitória da Estafeta feminina nos Mundiais de BTT de
Montalegre e de como a Ida Bobach é tão franzina. E falamos
de Futebol, claro. A Dinamarca está no nosso grupo no Europeu e
esteve anteriormente em grupos de apuramento para o Europeu e o
Mundial. Puxamos todos pela cabeça em busca do histórico de
resultados recentes. Tenho que dar a mão à palmatória. A Dinamarca
está em vantagem.
9.
Søren Saxthorp, o Vice-Campeão do Mundo da Classe Paralímpica em
título, está ao meu lado na mesa. Traz com ele a mulher, as duas
filhas e ainda uma assistente que o auxilia nalgumas das principais
tarefas. Conversamos sobre a Orientação de Precisão em Portugal,
falo-lhe do Dia Nacional da Orientação em 2009 e, depois disso, do
Circuito de Orientação de Precisão “Todos Diferentes, Todos
Iguais” até aos nossos dias. Fica impressionado com o que fizemos,
com o que fazemos. Diz-me que a Orientação de Precisão tem muito
poucos atletas na Dinamarca, “talvez uns vinte, não muito mais do
que isso”. E diz-me que, se estão aqui, é graças a uma Federação Dinamarquesa de
Desporto para Pessoas com Deficiência ou algo do género. Um mau cartão de visita para a Federação Dinamarquesa de Orientação!
[Veja aqui as fotos do TempO World Trophy e da Cerimónia de Abertura]
[Veja aqui as fotos do TempO World Trophy e da Cerimónia de Abertura]
Saudações
orientistas.
JOAQUIM
MARGARIDO
WTOC 2012 CAMPEONATO DO MUNDO DE ORIENTAÇÃO DE PRECISÃO: DIÁRIO (II)
Junho, 05. Desligo o telemóvel
antes de despertar. São 02:17 e os Mundiais começam aqui.
1. Desligo o telemóvel antes
de despertar. São 02:17 e os Mundiais começam aqui. Na verdade, já
começaram antes, mas é agora que os sinto com a devida conta e
medida. Os presságios – os bons e os maus, que também os há –
ficaram lá para trás, que o tempo não está agora para devaneios.
Dundee fica na outra ponta duma longa linha, a dezasseis horas de
distância. Vamos lá!
2. Linhas, pontes, conexões.
Todas se interrompem de súbito, quando lanço o olhar para trás.
Esta é uma realidade nova, completamente diferente e é o Ricardo
que faz a diferença. Um brutal acidente de viaçãoroubou-lhe a
mobilidade dos membros inferiores. Naquele Dia dos Namorados de 1998,
quis o destino que ele encontrasse na cadeira de rodas a companheira
duma vida. Esta viagem é dele, por ele e para ele. Para ele e para
todos quantos, como ele, souberam, a murro, voltar a abrir portas que
pareciam fechadas para sempre.
3. Não posso acreditar! São
03:55 e estou aqui com o Ricardo, no piso -1 do Aeroporto Francisco
Sá Carneiro, dependente dum elevador em manutenção. “Todas as
primeiras terças-feiras do mês” - nunca me hei-de esquecer disto
- “os elevadores páram para manutenção”, dizem-me. Eu, que não
estou em manutenção, exijo que levem o Ricardo para cima. Vinte
minutos depois, estamos nas partidas, prontos para fazer o
“check-in”.
4. Avião, comboio, comboio
e... comboio. Viagem em trânsito, longos corredores, alfândegas,
transbordos. Porto, Londres, Peterborough, Edimburgh, Dundee. A reter
essa nota de disponível amabilidade de todos quantos, em todos os
locais onde foi necessário, prestaram assistência ao Ricardo.
Absolutamente fantástico. O resto é uma Inglaterra de verde
matizada, salpicada aqui e além de pequeninas aldeias pardacentas. E
de ovelhas, muitas e muitas ovelhas pasmadas, a ver passar os
comboios.
5. West Park, Dundee. Event
Centre, o centro do nosso Mundial, do nosso mundo nos próximos dias.
Alojamentos impecáveis, um “staff” inexcedível de atenções,
uma disposição excelente. Dorsal 248 para mim, 124 para o Ricardo,
horários de partida definidos para o Troféu Mundial de TempO e
algumas dúvidas esclarecidas num Trail-O Meeting desinteressante.
Depois é o jantar, que a fome aperta e a sandes do meio-dia já lá
vai há que tempos.
6. Mesa 3. Eu, o Ricardo e a
delegação da Croácia. Entre eles o Zdenko Horjan, medalha de prata
em 2008 e 2009 na Classe Paralímpica e o Ivo Tilsjar, medalha de
bronze nas duas últimas edições do Mundial na Classe Aberta.
Falamos de Portugal e da Croácia. O Zdenko “arranha” um
pouquinho de português e aproveita para lançar um par de frases bem
alinhavadas. Depois vêm os conselhos a estes dois principiantes.
Lição a reter: “Faz o que fizeres no primeiro dia, não
interessa. Importante é que, no segundo dia, sejas dos últimos a
partir.”
7. São 21:30 dum dia
anormalmente longo e a noite cai rapidamente. Adormeço no seio desta
fantástica família. Já sou um deles!
Saudações orientistas.
JOAQUIM MARGARIDO
WTOC 2012 CAMPEONATO DO MUNDO DE ORIENTAÇÃO DE PRECISÃO: DIÁRIO (I)
Portugal participou pela primeira
vez num Campeonato do Mundo de Orientação de Precisão e eu tive o
privilégio de, juntamente com o Ricardo Pinto, ter sido pioneiro
nesta aventura. Com o Orientovar, abro agora uma página especial
dedicada ao WTOC 2012 e onde, com base na notícia, na reportagem, na entrevista, na imagem e na análise de dados, darei conta das
minhas vivências ao longo de seis exigentes e desgastantes dias. Um estudo tão exaustivo quanto
possível destes Mundiais que partilharei entusiasticamente,
esperando com isso captar a atenção de todos para uma realidade tão
bela quanto desafiante chamada Orientação de Precisão.
Saudações orientistas.
JOAQUIM MARGARIDO
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