A Federação Portuguesa de
Orientação completa hoje 25 anos de vida e o Orientovar assinala a
efeméride com um convidado de honra. Augusto Almeida, Presidente da
FPO, responde a um conjunto de questões numa longa Entrevista onde
é escalpelizado o atual momento da Orientação em Portugal.
Numa altura em que a FPO comemora os
seus 25 anos, fazemos um breve apanhado da história e percebemos que
praticamente metade desse tempo contou com Augusto Almeida na
qualidade de Presidente da FPO. Pessoalmente, e duma forma global,
como avalia a experiência?
Augusto Almeida (A. A.) - 12
anos é muito tempo, sendo que a razão de ser do último segmento
deste tempo é sobejamente conhecida! Um olhar retrospectivo,
subjetivo e pessoal, só pode ser positivo pelo resultado alcançado.
Muito trabalho e muita dedicação de dezenas de dirigentes, dos
funcionários, de membros dos órgãos sociais e de milhares de
atletas que na esmagadora maioria o fizeram voluntária e
benevolamente. Obviamente que num tão largo período de tempo
existiram “entorses” mas nada que tenha impedido que a Orientação
se implantasse, se desenvolvesse, crescesse e se afirmasse. O mais
importante, na minha opinião, é celebrar este caminho feito com
dificuldades quase permanentes mas também de muita tenacidade,
trabalho, dedicação e amizade que nos permite olhar o futuro com
confiança.
Onde vai arranjar a energia (e a
diplomacia) necessária para continuar à frente dos destinos da FPO,
conseguindo transmitir confiança, ajudando a “apagar os fogos”
que sempre surgem e apontando novas soluções, novos caminhos?
A. A. - O presente, bem como o
passado recente, vive-se num ambiente externo complexo, onde os
fatores sócio-económicos nos são fortemente adversos, e,
felizmente, numa estabilidade interna onde os praticantes filiados
são em número menor que os que todos gostaríamos que fossem e onde
os participantes nos eventos são menos do que os que queremos mas em
números aceitáveis, e onde o voluntariado disponível, a
sustentabilidade e a viabilidade económica estão estabilizados em
patamares credíveis. O presente é vivido com serenidade e a
modalidade tem podido apoiar as atividades mais deficitárias em
níveis nunca antes praticados. A energia, diplomacia, força, etc.?
Surgem de duas fontes: a paixão pela Orientação e,
fundamentalmente, da generosidade, da dedicação, da capacidade, da
competência e do carácter dos meus amigos que guarnecem o órgão
de gestão da FPO. É um privilégio estar na liderança dum grupo de
seres humanos de excelência que assumem responsabilidades, tomam
decisões, resolvem problemas e lutam diariamente pela Orientação.
Assim é fácil ser Presidente!
Consegue eleger, durante os anos da
sua presidência, dois ou três momentos que o marcaram pela positiva
e que foram determinantes para a evolução da modalidade em
Portugal? E pela negativa?
A. A. - Para mim, como já
referi, o mais importante é o trabalho e dedicação de dirigentes,
de voluntários e de atletas que na esmagadora maioria o fazem
voluntária e benevolamente em prol da modalidade. É esse trabalho,
durante estes 25 anos, que constitui o fator determinante da evolução
da Orientação. Individualizar momentos que me marcaram pela
positiva é complicado porque felizmente são muitos… mas entre
eles estarão a democratização do uso do sistema SPORTident em
2003, o equipamento da Federação entre finais de 2006 e 2007, a
medalha de ouro do Diogo Miguel no sprint do EYOC’07, o Campeonato
do Mundo de Veteranos em 2008 (WMOC’08), os Campeonatos da Europa
de Orientação Pedestre e de Orientação de Precisão em 2014
(EOC/ETOC’14) e os Campeonatos da Europa de Orientação em BTT em
2015 (MTBOC’15). Pela negativa, mas exclusivamente do foro pessoal
embora ao serviço da modalidade, o acidente de viação que sofri no
regresso dos MTBOC’15 de que resultou a perda total da minha
viatura e um susto de vida enorme.
Muito se tem falado em crise, nos
últimos anos, mas todos sabemos que “a necessidade aguça o
engenho” e é nos momentos de crise que se encontram as mais
engenhosas soluções para colmatar os problemas que vão surgindo. A
verdade, porém, é que a crise continua a “roubar-nos”
participantes e não estamos a saber como estancar esta “sangria”.
Por outro lado, continuamos a não saber encontrar argumentos para,
junto dos eventuais patrocinadores, vendermos a imagem da Orientação.
Admite que a FPO tem falhado, nomeadamente nestes dois desígnios?
A. A. - Esta questão dava um
livro… Obviamente que, consoante o ponto onde nos posicionemos,
assim temos uma perspectiva… A minha é esta: a nossa realidade
nacional, infelizmente bem prolongada, é da falência diária de
cerca de 35 famílias, largas dezenas de novos desempregados e de
muitas dezenas de pessoas a emigrar! Obviamente que as pessoas têm a
sua pirâmide de interesses e vão lutando para conseguir garantir os
que lhes são vitais e importantes e, quando obrigatório, deixando
cair os secundários onde se inclui o desporto, o que é de todo
compreensível do meu ponto de vista. Acresce, ainda, que por razões
culturais somos um povo pouco dado ao associativismo. Não está nos
nossos valores o fazer parte dos movimentos associativos com que nos
identificamos. Esta postura da esmagadora maioria dos nossos
concidadãos leva a que quase todos os movimentos tenham uma baixa
adesão de filiados -que não de simpatizantes- e a Orientação não
é excepção. Também o mercado da publicidade se retraiu muito e os
recursos financeiros disponíveis para o desporto são disputados
ferozmente, com todos os meios disponíveis, por uma multidão de
atores com múltiplos interesses. Felizmente, e em resumo, como já
referi antes, a sustentabilidade e a viabilidade económica da FPO
estão estabilizados em patamares sólidos e credíveis para o nível
de ambição estabelecido e estes são os factos. Mas admito, e
aplaudirei, que no futuro os responsáveis federativos venham a
elevar o nível de ambição e, para tal, garantam a consequente
geração de recursos e espero que nesse objectivo apareçam
envolvidos os “idealistas” e os “renovadores” que por estes
dias mostram alguma insatisfação.
Na abertura do VIII Congresso de
Orientação, em Dezembro de 2011, ouvimo-lo abrir o Congresso
afirmando, e cito, “especial atenção devem merecer-nos as áreas
onde tradicionalmente temos maiores dificuldades como sejam a
mediatização (...)”. O Augusto sabe que esta é uma área à qual
sou particularmente sensível e cujo balanço que faço, de 2011 até
à data, não é realmente famoso. Porque é que, sendo a Comunicação
um aspeto reconhecidamente de capital importância para o crescimento
e desenvolvimento da modalidade, não tem merecido da parte da tutela
um maior empenho?
A. A. - Institucionalmente esta
questão melhorou imenso no último ano com a chegada de uma
estagiária, tal como, pela mesma razão, melhorou a organização da
formação e a sua creditação. No entanto, apesar de se reconhecer
a sua importância, continua a ser uma das áreas com lacunas
evidentes quer pela escassez dos recursos financeiros existentes quer
pela existência e disponibilidade de recursos humanos habilitados.
Eu diria que tal como é fácil de identificar a lacuna é difícil
de a ultrapassar. O bloqueio cultural que nos afasta de integrar os
movimentos associativos com que nos identificamos, que referi antes,
revela-se também nesta área onde por exemplo nas redes sociais são
muito escassas as partilhas das matérias e assuntos da modalidade
quando não são do clube de cada um.
O ano de 2016 trará com ele alguns
desafios deveras interessantes e eu pedia-lhe uma opinião sobre três
deles, em particular. Comecemos pelo Ori-Trail / Rogaine, a grande
novidade em termos competitivos nacionais na próxima temporada.
Acredita que foi uma boa opção avançar de forma aparentemente
prematura com um quadro nacional e já com seis etapas delineadas?
Não teme o fracasso, sabendo que cada uma dessas provas terá, nos
fins de semana em que se disputarão, a concorrência de provas de
Trail por todo o País, essas sim já com uma implantação e uma
aceitação indiscutíveis?
A. A. - O Ori-Trail / Rogaine já
vinha sendo estudado internamente na federação e com alguns
técnicos há cerca de dois anos e este ano realizaram-se três
eventos de teste. Refira-se que em Espanha apresenta índices de
participação muito interessantes. O lançamento da Taça de
Portugal da disciplina visa disponibilizar mais um formato
competitivo aos amantes da Orientação e dos desportos de natureza.
Se vai ter muita ou pouca adesão serão os praticantes a decidir mas
com o formato livre e aberto adotado, com a possibilidade de se fazer
orientação em grupo e com a relativa longa duração dos eventos a
que acresce o convívio no final, eu acredito que vai vingar.
Lisboa recebe em Abril uma ronda da
Taça da Europa de Orientação de Precisão, sendo esta a disciplina
que mais alegrias deu ao nosso país, em termos competitivos, no ano
que agora está a chegar ao fim. Como tem acompanhado o fenómeno
TrailO e que soluções apontaria para o seu crescimento e afirmação
plenas?
A. A. - Felizmente o ano de 2015
foi generoso com a modalidade e deu-nos alegrias no Campeonato do
Mundo de Orientação de Precisão, no Campeonato da Europa de
Juniores de Orientação em BTT e no Campeonato da Europa de Jovens
de Orientação Pedestre. Foi mais um ano feliz. A Orientação de
Precisão em Portugal surgiu fulgurante graças ao trabalho e
dedicação de um punhado de pessoas. Este excelente fenómeno não
teve a natural companhia de formação inicial adequada e, por via
disso, assenta ainda praticamente nesse núcleo duro. Chega agora o
momento de sistematizar a formação de técnicos e, com ela, a
capacitação dos nossos clubes para organizar eventos. Em paralelo
com a formação é necessário desenvolver um trabalho de divulgação
e desmistificação junto dos orientistas por forma a despertar-lhes
a vontade de experimentar e praticar a Orientação de Precisão. O
objectivo de médio prazo para a disciplina é a organização do
Campeonato do Mundo de 2019 e para que o possamos concretizar com
alguma tranquilidade e qualidade temos de, no curto prazo formar,
organizar e capacitar clubes e técnicos.
Finalmente o Campeonato do Mundo de
Orientação em BTT 2016, seis anos depois da memorável campanha de
Montalegre. Que Campeonatos vão ser estes?
A. A. - Espero que os
campeonatos decorram com normalidade. A equipa organizativa é
basicamente a mesma que organizou os Campeonatos Europeus de 2015 e
que já vem desde 2013, e nos oferece todas as garantias de
qualidade. A FPO estabeleceu protocolos de cooperação com os
municípios envolvidos -Águeda, Cantanhede e Mealhada- e com eles
temos trabalhado no planeamento e preparação dos Campeonatos
Mundiais, assim como com alguns parceiros locais já angariados. A
FPO estabeleceu os habituais protocolos de cooperação com nove dos
seus filiados colectivos para concretizar a organização e onde
destaco o Clube de Aventura da Bairrada (CAB) que será o grande
dinamizador da modalidade e da disciplina na região. Por agora o
planeamento decorre com normalidade. No que se refere à mobilização
da sociedade civil e em especial a dividendos para a Orientação em
BTT além do CAB é um tema bem mais complexo porque, como nos outros
eventos passados, a adesão a ideias e o abraçá-las não depende
tanto do pregador mas depende fundamentalmente do destinatário. E
aqui voltamos às questões de cidadania… a cada dia que passa são
menos as pessoas disponíveis para se entregarem às causas
colectivas, para dedicarem algum do seu tempo aos outros.
Pedia-lhe ainda que se pronunciasse
sobre uma questão que abriu à discussão no seio dos orientistas:
Quadros Competitivos Nacionais: reformular ou manter? Que soluções
preconiza o Presidente da FPO? É desejável, por exemplo, o regresso
dos circuitos regionais, na sua opinião? E quanto às restantes
matérias?
A. A. - A FPO recebeu dezenas de
contributos. Na ata da reunião da direção da FPO de 27 de novembro
é referido que os contributos, versando as mais diversas situações,
não convergem em linhas de ação. O único traço comum é a
proposta de realização de mais eventos regionais ou locais pelo que
a FPO deixa aos Clubes a possibilidade de implementarem circuitos
regionais e fica disponível para estudar o apoio aos mesmos com os
respectivos promotores. Em todo o caso o calendário de 2017
apresenta muitas datas livres o que pode permitir não só aos
interessados em dinamizar actividades de âmbito local ou regional
como aos futuros dirigentes da Federação tomar opções.
Mais recentemente, no acordo
assinado com a FEDO sobre o Ori-Trail / Rogaine, li com entusiasmo a
determinação em “liderar e aumentar a cooperação com os países
Sul-Americanos e Africanos”. Isto diz respeito apenas ao Ori-Trail
/ Rogaine ou existe, estrategicamente, algo concertado entre a FEDO e
a FPO, nesta matéria, para todas as disciplinas da Orientação?
A. A. - A FPO e a FEDO têm,
desde o início da sua cooperação, o desenvolvimento da modalidade
em África e na América do Sul como objectivo importante. Acontece
que em Portugal, apesar das múltiplas tentativas, ainda não foi
possível obter fundos destinados a essa cooperação.
Vamos ter, em 2016, Eleições para
os Corpos Sociais da FPO para um novo quadriénio e já por mais de
uma vez, ao longo desta nossa conversa, o ouvi falar em “futuros
dirigentes”. Isto significa que não o vamos ver por mais quatro
anos à frente dos destinos da FPO?
A. A. - O meu contributo como
responsável chega ao fim em outubro próximo e os sócios estão
cientes da minha decisão, tal como sabem das razões que motivaram
este regresso em 2011. O órgão de gestão da FPO, quais sapadores
bombeiros, resolveu a extremamente crítica situação existente no
início de 2011 e devolveu a normalidade institucional,
administrativa e financeira à Federação, investiu e investe em
equipamentos ao mesmo nível de 2006 e 2007, apostou nas seleções
nacionais como raramente se fez - excepto em 2010, quando existiam os
proveitos do WMOC’08 -, apoiou as actividades e a participação de
jovens em patamares nunca antes atingidos e, ainda, conseguiu
consolidar um saldo de gerência que permite gerir sem angústias.
Sejamos claros: somos voluntários mas com grande profissionalismo
nas tarefas que desenvolvemos e temos orgulho no nosso trabalho.
Na preparação da substituição, nas
últimas assembleias gerais tenho alertado para a conveniência de
quem pretenda inteirar-se da vida federativa o fazer atempadamente,
de se inteirar dos processos administrativos, dos ciclos
organizativos, dos “picos” de trabalho, dos momentos de acrescida
responsabilidade, por forma a não surgirem lapsos após a transição
e que só prejudicam a modalidade. Afinal, se o passado e o presente
foram construídos por homens, o futuro passará certamente pelos
homens e na minha opinião o “segredo” está em eleger um
Presidente que seja um gestor. Uma pessoa capaz de impor (atempadas)
travagens sempre que necessárias, capaz de dinamizar vontades sempre
que surjam as oportunidades e capaz de enfrentar e vencer os desafios
que a sociedade lhe irá colocando. Capaz de identificar os diversos
interesses, capaz de discernir o acaso do propositado e capaz de
conviver com as vaidades. Obviamente, um “resistente”, porque
durante o percurso terá de saber ultrapassar as desistências de
alguns, substituir ou apoiar outros em muitos momentos e ter sempre
uma palavra de estímulo e incentivo, esta muito necessária nas
horas menos felizes. Para finalizar, uma certeza: quem chegar vai
encontrar uma FPO, mais uma vez, sem dívidas, bem equipada,
atualizada e com um fundo de maneio apreciável e que garante as
despesas de funcionamento de um ano.
Para concluir, no soprar destas 25
velas, um desejo.
A. A. - Que a vida da FPO siga
com normalidade, isto é, sem sobressaltos nem sustos, e sucesso, já
que quando esta malfadada crise se resolver e as pessoas voltarem a
ter níveis de vida mais adequados, a modalidade vai crescer de forma
natural pois é a mãe de todas as actividades de ar livre.
Saudações orientistas.
Joaquim Margarido
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