A
Orientação brasileira viveu, no passado sábado, um momento
verdadeiramente histórico. Ao ser eleito como novo Presidente da
Confederação Brasileira de Orientação para um mandato de quatro
anos, Luíz Sérgio Mendes coloca na “renovação e conciliação”
as suas atenções, apontando caminhos de futuro.
Como é
que está a viver o seu primeiro dia como o novo Presidente da
Confederação Brasileira de Orientação?
Luiz
Sérgio Mendes (L. S. M.) - Ainda um
pouco cansado da viagem e do longo processo que foi essa mudança
promovida no dia de ontem. Para mim este é sobretudo um dia de
reflexão, de pensar naquilo que poderemos fazer para atender ao
chamamento, àquilo que as pessoas esperam que consigamos colocar em
prática. Vivemos um período de dezasseis anos em que tivemos um
único Presidente, José Otávio [Dornelles], que não se pode negar
fez um bom trabalho na construção da nossa Orientação. Mas os
tempos mudaram, dezasseis anos é mais do que uma geração e na
verdade a nossa Orientação não progrediu como poderia ter
progredido. Havia uma necessidade urgente para que se alterasse a
forma de conduzir as coisas. A permanência no poder por parte de
qualquer dirigente, independentemente do contexto social no qual essa
permanência se enquadre, acaba por ser sempre nefasta. E era isso
que vinha acontecendo. Daí que o dia de hoje seja muito importante,
nomeadamente para preparar a primeira
reunião com parte da nova Diretoria, que terá lugar amanhã aqui em
Brasília e na qual trataremos de
definir aqueles que serão os nossos primeiros passos.
Serão
passos duros, acredito, como duro foi o processo que conduziu à sua
eleição. Pedia-lhe que abordasse, na medida do possível, esta
matéria.
L.
S. M. - A eleição do passado mês de
Janeiro decorreu à margem dos parâmetros de normalidade que todos
desejávamos. A nossa insatisfação, consubstanciada na posição
firme de cinco Federações Estaduais e quatro Clubes, levou-nos a
procurar, por todos os meios, que aquela Assembleia fosse anulada. O
Presidente reeleito, José Otávio, jamais concordou com esta
situação, mas aceitou que em Maio fosse criada uma Comissão
Diretiva da Confederação Brasileira de Orientação que procedeu à
análise de contas e conduziu parcialmente o processo que resultou no
ato eleitoral do passado sábado. Mas em todo esse processo eu acabei
por ter uma grande exposição, nomeadamente através da assinatura
de alguns documentos, o que levou o José Otávio a reagir com duras
críticas. Respondi a essas críticas, expondo os meus pontos de
vista pessoais, os quais assumo na íntegra, mas a partir desse
momento ambos optámos pelo silêncio e foi assim que chegámos à
Assembleia Eleitoral do passado sábado. Nenhum de nós sabia o que
iria acontecer. Eu não dialoguei mais com José Otávio, mas houve
muita troca de telefonemas e de conversas entre apoiantes do José
Otávio e aqueles que aspiravam à mudança. E houve,
consequentemente, muitas situações que não deviam ter acontecido
mas que ocorreram, situações escusadas mas que acabam por ser
compreensíveis neste contexto, dado o momento político que vivemos.
Embora a eleição de ontem represente o fim dum processo, a verdade
é que não há planeamento que resista quando se desconhece a
realidade duma instituição. E essa é que é a verdade. Não
tivemos ainda acesso à documentação, aos movimentos, às dívidas
da instituição, ao seu património físico, à localização desse
património, porque nunca foi realizada uma prestação de contas
nesse sentido. Daí também esta necessidade de reflexão, procurando
avaliar a medida da dureza dos passos que se avizinham em terrenos de
incerteza.
A sua
condução no cargo de Presidente da Confederação Brasileira de
Orientação corresponde a um desígnio pensado a longo prazo ou
foram as circunstâncias destes últimos meses que ditaram a sua
candidatura e consequente eleição?
L.
S. M. - A ideia de me candidatar foi
tomada no regresso do Campeonato do Mundo de Veteranos que decorreu
na Suécia, no final do passado mês de Julho. A minha intenção
nunca foi essa, mas as circunstâncias levaram-me a tomar essa
decisão porque as coisas encaminhavam-se para uma acomodação e
para a continuidade daquilo que estava estabelecido. A minha decisão
acabou por ir no sentido de organizar uma lista que visasse alterar
este quadro e concorremos com o lema “Renovação e Conciliação”.
Foi a única Lista que se apresentou a sufrágio.
Percebendo
que a “conciliação” é uma das chaves da sua candidatura,
pergunto-lhe até que ponto se encontra fracturada a Orientação
brasileira.
L.
S. M. - Com base naquilo que vimos
ontem - uma Assembleia harmoniosa, uma Assembleia tranquila, sem
qualquer tipo de agressões verbais -, posso afirmar com absoluta
segurança que a Orientação brasileira não está em rotura. Ambos
os lados acordaram no entendimento de que a era José Otávio chegou
ao fim. Ele deu a sua contribuição até ao dia de ontem e agora é
o momento duma nova era. Não uma era com o meu nome, mas uma era de
mudança na forma de gerir a nossa modalidade dentro do nosso País,
uma era de aproximação à estrutura central que é a Federação
Internacional, uma era de abertura aos países da América do Sul e
que precisam do nosso apoio. De ora em diante, a Orientação
brasileira estará aberta a todos, tanto àqueles que se dispuserem a
ajudar-nos, quanto em relação aos que precisarem da nossa ajuda.
Temos de estar unidos, comungando dum mesmo desejo que é o
fortalecimento do nosso desporto.
Uma vez
que menciona o nome da Federação Internacional de Orientação,
ocorre-me inquiri-lo sobre o processo que impende sobre a
Confederação Brasileira de Orientação relativo ao não pagamento
das taxas devidas pela realização dos Mundiais de Veteranos do ano
passado e da ameça de suspensão da CBO da qualidade de membro da
IOF. Essa situação está sanada ou é uma das heranças pesadas que
sobram da anterior Direção?
L.
S. M. - Essa situação está
parcialmente solucionada, depois do pagamento no final de Junho de
mais de 50% do valor de taxas que era devido à Federação
Internacional de Orientação, havendo ainda uma parcela de cerca de
36.000,00 € que é necessário solucionar. Mas com o pagamento
parcial dos valores em dívida, conseguimos garantir a suspensão de
qualquer medida punitiva por parte da IOF. Em Inverness, na Escócia,
durante os Campeonatos do Mundo de Orientação, conversei na
qualidade de candidato às eleições com o Presidente da IOF e com o
Secretário-Geral, o senhor Tom Hollowel, coloquei-os a par da
situação vivida atualmente e dei-lhes a minha palavra que, caso
fosse vencedor das eleições, tudo faria para quitar a dívida no
mais curto prazo possível. Fui atendido nas minhas palavras e, ainda
que não haja nada escrito, acredito que aquilo que me foi dito tem
valor. Assim que tomarmos posse, informaremos a IOF do estado real da
Confederação Brasileira de Orientação e, nessa altura, o prazo
para saldarmos a dívida será definido e vamos cumpri-lo.
Foi esta
situação de impasse que levou a que o Brasil não participasse nos
Campeonatos do Mundo de Orientação, antes optasse por colocar os
seus melhores orientistas a competir nos 5 Dias da Escócia, o evento
paralelo aos Mundiais?
L.
S. M. - Não, não foi por esse motivo.
A decisão partiu das Forças Armadas brasileiras e teve a ver com
razões de ordem meramente burocrática. A IOF teria aceitado a
participação do Brasil nos Campeonatos do Mundo, até porque
naquele momento já tinha sido pago parte do valor em dívida. A
questão é que as Forças Armadas não tiveram a possibilidade de
libertar as verbas para inscrição dos atletas no Campeonato do
Mundo em tempo útil, acabando por optar pelos 5 Dias da Escócia,
que afinal tinham lugar nos mesmos terrenos, por uma questão de
maior flexibilidade de datas e de prazos mais alargados.
Falando
agora de renovação, estamos a falar de “desmilitarização” da
Orientação brasileira ou o papel das Forças Armadas na Orientação
brasileira é de tal forma importante que não há condições para
que esta “desvinculação” se possa fazer de forma plena?
L.
S. M. - A este propósito, gostaria de
ressalvar que a Orientação brasileira é desvinculada das Forças
Armadas brasileiras. É verdade que os principais atletas estão
vinculados às Forças Armadas, mas os clubes são entidades civis,
com estatutos próprios ao abrigo de legislação da sociedade civil.
A mudança é demorada e gradativa porque os militares – e
entenda-se por “militares” as pessoas que têm por profissão o
ser militar – detêm ainda uma boa parte dos meios e do
conhecimento. Mas dou-lhe o exemplo de Brasilia, onde há três
clubes de Orientação, um deles militar porque é um clube ligado a
uma Escola Militar, e os outros dois civis, geridos por pessoas
civis, uma mulher e um professor. Então, em Brasília, considero que
temos 66 vírgula algo por cento nas mãos de civis. E poderia
dar-lhe exemplos idênticos no Brasil inteiro, evidenciando que essa
situação está mudando.
Quando
falamos em renovação falamos também no facto de se passar a
apostar mais na formação e no aparecimento duma nova geração de
atletas de Elite?
L.
S. M. - Há realmente um grande
interesse em que esse processo se instale de forma plena em todo o
Brasil. Penso que o José Otávio trabalhou bastante no sentido de
levar a Orientação às Escolas e nós queremos prosseguir com esse
esforço, mas não é um processo fácil. O Brasil é um País muito
grande, são inúmeras as diferenças que ocorrem de Estado para
Estado e mesmo dentro dos próprios Estados, pelo que não é fácil
encontrar uniformidade na ação. Estamos trabalhando cada vez mais
na formação de base mas devo admitir que essa ideia de termos a
Orientação em todas as Escolas do Brasil, de termos muitos mais
jovens nas nossas provas e a chegarem com 18 e 20 anos às grandes
competições internacionais não é realista. Mas trataremos de
buscar uma política que nos permita aproximar os jovens da
Orientação.
Ano após
ano, de primeiro passo em primeiro passo, continuamos sem ver
quaisquer passos concretos no sentido da implementação da
Orientação em BTT ou da Orientação de Precisão no Brasil. Com o
Luiz Sergio Mendes na Presidência da Confederação Brasileira de
Orientação isto irá, finalmente, ser uma realidade?
L.
S. M. - Queremos aproximar-nos da IOF e
isso passa, também, pela formação de cartógrafos e de atletas
nessas duas disciplinas. É um conhecimento que não detemos no
Brasil e que buscamos, necessariamente. Assim, num primeiro momento,
procuraremos estabelecer contacto com pessoas que possam vir aqui e
nos possam ensinar o que fazer para darmos os primeiros passos. Penso
que os primeiros passos são fundamentais e temos de dá-los de forma
certa. Mas isto implicará também uma reforma do próprio sistema,
que atualmente se conduz duma forma tradicional e que não permite
que haja alguém a tomar conta, de forma exclusiva, da Orientação
em BTT ou da Orientação de Precisão. A gestão técnica dentro da
CBO está atribuída a uma pessoa apenas e não é possível que essa
pessoa possa cumprir a missão sozinha. É necessário criar no seio
da estrutura os cargos de responsável pela Orientação Pedestre,
pela Orientação em BTT e pela Orientação de Precisão, em
separado. Temos de reconhecer que, como disse, não demos sequer o
primeiro passo. Estamos ensaiando o primeiro passo, isso sim, mas há
aspetos de base que urge salvaguardar.
Irá
trazer para Brasília a sede da Confederação Brasileira de
Orientação, ou permanecerá em Santa Maria?
L.
S. M. - Virá para Brasília, sim.
Pretendemos uma reforma estatutária segundo a qual a sede será onde
estiver o Presidente. É uma sede itinerante e que,
preferencialmente, se instalará numa capital. No caso concreto será
em Brasília.
Portugal
e o Brasil estão irmanados de forma singular e isso percebe-se
igualmente no desporto e, por extensão, na Orientação. Em que
medida vai privilegiar a relação com Portugal?
L.
S. M. - Na minha viagem à Escócia,
tive oportunidade de conversar com o Presidente da Federação
Norueguesa de Orientação sobre a minha posição em relação à
Europa, ao que lhe respondi que será uma posição de aproximação.
“- Portugal está nos seus planos?”, quis ele saber. E
respondi-lhe naturalmente que sim, que Portugal está nos meus
planos. E como poderia não estar? Estamos ligados por laços de
sangue, falamos o mesmo idioma, a nossa cultura funda-se em
Portugal... Portugal é o País mais próximo do Brasil e a busca de
conhecimento está, também por esse motivo, facilitada. Acredito que
Portugal é a nossa porta de entrada e nós faremos uso disso.
Regresso
ao início da nossa conversa para lhe pedir que olhe para dentro
daquilo que irá ser essa primeira reunião da nova Direção, já
amanhã. Veremos um Luíz Sérgio Mendes confiante e otimista ou será
um Luiz Sérgio Mendes apreensivo e de sobrolho carregado quem irá
dirigir os trabalhos?
L.
S. M. - Estou otimista, sim. Apesar dos
imensos problemas que irão com certeza surgir, nós contamos com a
boa vontade das pessoas. A prova disso é a votação expressiva na
nossa Lista, com 21 votos a favor entre os 22 representantes
presentes e um voto nulo. Esse apoio, juntamente com as mensagens que
nos chegaram pelos mais variados meios, fazem com que tenhamos de
estar otimistas. Os desafios são grandes, mas acredito que esta
equipa está à altura de os enfrentar. Antes não tinhamos voz, mas
agora temos e isso dá-nos toda a força para podermos realizar as
mudanças necessárias. Quando temos as ferramentas na mão e temos a
vontade das pessoas que estão ao nosso redor, não precisamos de
mais nada.
[Foto
gentilmente cedida por Luiz Sérgio Mendes]
Saudações
orientistas.
Joaquim
Margarido