Fértil em grandes eventos de
Orientação um pouco por toda a Europa, a semana que passou teve na
Swiss Orienteering Week uma das manifestações mais relevantes e
participadas. Relevantes, pela qualidade técnica dos eventos e pelo
ambiente natural deslumbrante, com o celebrado Matterhorn em pano de
fundo. Participadas porque a soma de quase cinco mil atletas
presentes em Zermatt apenas foi batida pelos vinte milhares de
participantes no O-Ringen. Entre os presentes no SOW 2014, destaque
para a figura de João Moura, atleta e dirigente do Clube de
Orientação de Viseu – Natura, um dos cinco portugueses que
rumaram à Suiça na passada semana. O Orientovar foi ao encontro do
atleta com algumas questões, sendo agora possível beber nas suas
palavras um pouco do muito que o evento teve para oferecer.
Com o O-Ringen e o Swiss
Orienteering Week a decorrerem na mesma altura, foi difícil optar?
João Moura (J. M.) - Ambas
são provas com excelente reputação e aquilo que à partida não
parece ser uma escolha fácil, para mim foi quase que óbvia. Nem
pensei sequer em ir ao O-Ringen em detrimento da Swiss Orienteering
Week, uma vez que este ano tive a sorte da prova ser realizada em
Zermatt, onde tenho familia a residir. E este foi mesmo o motivo
maior da minha vinda ao SOW deste ano, porque conseguiria aliar duas
coisas muito importantes para mim, a família e a Orientação.
Quais as expectativas à partida
para a Suiça? O que é que sabia - ou julgava que sabia - acerca
deste grande evento?
J. M. - As informações que
eu tinha sobre os SOW anteriores eram muito limitadas, nunca tinha
acompanhado ao pormenor nenhuma das edições anteriores, daí que à
partida, em termos de Orientação propriamente dita, estava com
algum receio. Por um lado porque nunca tinha corrido a uma altitude
tão elevada e não tinha a certeza da reação do meu corpo a esta
mudança e por outro tinha receio que o terreno e a organização das
provas fosse totalmente diferente dos nossos eventos portugueses. Em
termos turisticos, tinha um feedback excelente por parte dos meus
familiares residentes em Zermatt, que me transmitiam que eu iria
gostar mesmo desta zona de montanha. E foi o que acabou por
acontecer, é mesmo um sitio de uma beleza rara ao qual eu fiquei
imensamente surpreendido e apaixonado.
Estar no centro dum grande evento
como este é, exatamente, o quê?
J. M. - Desde que saí do
Aeroporto Sá Carneiro, no Porto, até que aterrei propriamente em
Genebra e viajei para Zermatt, senti-me um verdadeiro atleta, quase
que utopicamente uma estrela. Viajei orgulhosamente com o equipamento
oficial do meu clube e fiz questão de colocar no meu equipamento
emblemas com a bandeira portuguesa. Senti mesmo que iria representar
não só o meu clube, mas também o meu país. E foi este um
sentimento que me acompanhou durante toda a minha estadia em Zermatt.
Ter aproximadamente 5000 atletas representantes de quase todos os
pontos do mundo no mesmo ambiente que eu foi mesmo magnífico, e nem
por isso me sentia inferior por pertencer a uma das nações com
menos representantes neste evento. E fiz questão de, em todas as
etapas, levar comigo uma bandeira portuguesa presa nas costas da
minha camisola de competição.
Mas, basicamente, o “ritual” é
o mesmo das nossas provas portuguesas, no entanto a diferença é que
estamos rodeados de milhares de pessoas de culturas e línguas
diferentes. Também tive a sorte da comitiva portuguesa nesta prova
ser constituida por mais quatro atletas “veteranos”, apesar de só
conhecer à priori o Manuel Dias, logo depois do primeiro dia fiquei
a conhecer os restantes três atletas e criou-se logo uma empatia e
ambiente fantástico entre nós.
Como foi feita a gestão do seu
dia a dia?
J. M. - Neste aspecto tive a
vida facilitada, porque estar em casa de familiares portugueses tem
muitas vantagens. Nunca me senti sozinho e tinha sempre o apoio de
alguém que já conhecia a forma de funcionamento da própria cidade
de Zermatt que tem características muito próprias. Mais importante
que isso, a minha alimentação não variou muito, almoçava e
jantava sempre comida portuguesa. Nos primeiros dias em que cheguei
tive a necessidade de ir até à montanha participar num dos muitos
treinos cronometrados que a organização do SOW proporcionou aos
atletas, e tentar perceber a reacção do meu organismo à altitude,
para que durante as etapas conseguisse gerir fisica e mentalmente
este handicap. E, realmente, senti muita diferença neste primeiro
contacto com esta altitude, perdia o folego rapidamente e tinha que
ser bastante cuidadoso com a minha hidratação. Tive a sorte de, nos
primeiros dias após a minha chegada, as condições meteorológicas
serem bastante favoráveis, mas isso não aconteceu quando o evento
propriamente dito começou. Muita chuva, frio e muito nevoeiro na
maioria das etapas de montanha, sendo que a organização teve que
trocar a etapa 3 com a etapa 5 em virtude destas condições
meteorológicas adversas que se fizeram sentir. Na etapa 3 tive a
minha estreia em terrenos com neve, na verdade nunca tinha corrido
sob estas condições, o que me condicionou a prestação porque, por
um lado, a leitura do terreno não é tão perceptivel e por outro,
claramente, corria a “passo de caracol”, com medo de escorregar,
enquanto que os restantes atletas corriam sobre a neve a uma
velocidade quase que normal.
Em termos organizativos, julgo que
estavam preparados para dar seguimento ao evento sob quaisquer
condições meteorológicas, apesar de que normalmente em Portugal
quando chove as organizações preocupam-se bastante com o bem-estar
do atleta e nestes casos fornece toda uma logística para que, por
exemplo, se possa guardar os pertences em algum sítio onde não
chova, o que não se verificou aqui na Suiça. A propósito disso até
questionei um membro da organização se não iriam existir tendas
nas arenas onde poderíamos guardar as nossas mochilas, ao que ele me
respondeu que isso era um problema do atleta e não da organização,
respostas estas às quais, normalmente, não estamos habituados em
Portugal.
Em termos competitivos, que
balanço faz da sua prestação? Foi positivo?
J. M. - Sim, eu considero que
foi positivo. Fiz o 18º lugar em 125 atletas no meu escalão, HB.
Tive o azar de me lesionar a duas semanas de voar para a Suiça com
uma fasceíte plantar (inflamação muscular na plantas dos dois pés)
que me causou dores e grande desconforto durante toda a semana de
prova. Mas é claro que eu tenho a noção que não sou nenhum atleta
de elite e que estava a competir num escalão “inferior” ao que
corro em Portugal (H21A). Que em termos técnicos tinha alguns pontos
pouco desafiantes, sendo que se fosse agora fazer novamente a
inscrição ter-me-ia inscrito no escalão HAK (mais técnico que o
HB). Mas quando me inscrevi para o SOW em Janeiro tive algum receio
de que não me conseguisse adaptar às caracteristicas do terreno e
às condições meteorológicas e que assim sendo não me conseguisse
divertir tal como me diverti a competir.
E quanto ao resto? A julgar pelas
"selfies" com alguns dos melhores atletas mundiais, dá
para perceber que essa diversão extravasou para for a das provas,
num ambiente de grande descontração e partilha...
J. M. - Sim, isso é verdade!
Não sei se era pelo facto de os atletas suiços estarem a correr em
“casa”, mas a verdade é que em todos os atletas de topo com quem
eu tive o privilégio de trocar impressões notava-se claramente um
grande à vontade pela parte deles em falar comigo e a maioria achava
piada em eu pedir para tirar a famosa “selfie” com eles. Mas esta
oportunidade de conversar e tirar fotos com a maioria das minhas
referências orientistas (tanto masculinas como femininas), foi mesmo
uma sensação muito boa e que me deixa ainda mais motivado para
continuar a treinar e a evoluir na modalidade em Portugal.
Tem algum episódio engraçado
para nos contar?
J. M. - Na verdade tive dois
episódios engraçados que envolveram os irmãos Hubmann. Logo no
primeiro dia de competição (etapa prólogo de Sprint urbano, em
Zermatt, só para os escalões de Elite), encontrei o Daniel Hubmann
na arena e claro está, pedi-lhe se poderia tirar uma foto com ele,
ao que ele me responde muito sério em inglês: “Claro, mas são 5
€”, e eu por momentos fiquei chocado porque só conhecia a faceta
“séria” do atleta, e respondi-lhe: “Eu já sabia que era tudo
muito caro na Suiça, mas ao menos pediste-me Euros e não Francos
Suiços”, obviamente que tirei uma foto com ele e ainda nos rimos
um pouco. A outra situação ocorreu, curiosamente, no último dia,
na cerimónia de entrega de prémios. Fui ter com o Martin Hubmann
para ele autografar o meu dorsal e ele estava a beber um copo grande
de um líquido que aparentemente parecia cerveja. Obviamente meti-me
com ele sobre esse facto e ele explicou-me que não era cerveja mas
sim um sumo tradicional suíço, que eu desconhecia, e disse-lhe que
nunca tinha provado, ao que ele me responde que eu não poderia sair
da Suiça sem provar aquilo e deu-me do copo dele para provar.
Senti-me mesmo num ambiente de grande descontração que normalmente
não estou habituado quando estes atletas vêm às nossas provas.
Esteve no “núcleo duro” de
algumas das grandes organizações em Portugal nos três últimos
anos, nomeadamente o POM 2012 e o MCO 2014. Ver o SOW 2014 com o
olhar de quem organiza dá para perceber uma realidade muito
diferente? Há aspectos que vivenciou e que valeria a pena “importar”
para o nosso país?
J. M. - Os Suiços são, por
natureza, pessoas com uma capacidade organizativa superior e este
evento não foi excepção. Há efetivamente aqui uma realidade algo
diferente e, apesar das coisas serem bem feitas tanto em Portugal
como na Suiça, nota-se que a forma de trabalhar, de organizar e
distribuir o trabalho é diferente. No entanto também se nota que as
organizações portuguesas possuem mais capacidade para resolver
pequenos incidentes que se desviem do “plano” inicial. Mas, na
minha opinião, talvez a grande diferença seja na quantidade de
voluntários a trabalhar no evento, o que permite que se preocupem em
ter elementos da organização em quase todos os pontos de acesso à
montanha para encaminhar os atletas (estações de comboio e
teleféricos, por exemplo). Mas o que me surpreendeu mais foi o
Boletim final do evento, que era um livro com mais de 100 páginas
onde explicava tudo ao mais infimo pormenor da prova, como por
exemplo: o esquema das partidas, o tempo que se demoraria a chegar
aos eventos em forma de esquema a contar já com as viagens a pé e
de funicular ou teleférico e com 30 minutos na arena para o atleta
se equipar, se haveria ou não água nas partidas, se era aconselhado
levar um casaco para as partidas, etc.
Acho que a grande importação que
faria para Portugal era mesmo este modelo de boletim/livro com todas
as informações necessárias. No entanto também importaria alguma
noção de organização propriamente dita, porque em Portugal há
uma necessidade de organizar ao máximo os poucos recursos humanos
que possuimos, coisa que eu reparei que funcionava bem aqui. Cada
voluntário tinha a sua identificação, a sua função na prova e um
rádio portátil para comunicar na rede e receber/transmitir
indicações ou informações. Por último, e tendo em conta o meu
background profissional, uma das coisas que temos que urgentemente
importar para os nossos eventos é o planeamento e a gestão da
emergência. Cada etapa do SOW tinha vários postos de socorro
espalhados pelo mapa e havia sempre um helicóptero pronto para
qualquer evacuação de algum sinistrado e veiculos adaptados às
condições de alta montanha, já para não contar com o posto médico
montado na arena. É claro que falamos em realidades diferentes, mas
podemos sempre aprender para conseguirmos sustentavelmente chegar à
excelência organizativa nos nossos eventos portugueses.
Para aqueles que ainda não se
decidiram por uma competição de Verão na Europa nos próximos
anos, que argumentos avançaria para não perderem a próxima SOW, em
2016?
J. M. - Em 2016 a SOW irá
ser organizada em Engadin St. Moritz e se a qualidade dos terrenos e
a organização for similar, é um evento a ter em conta e que eu
recomendo vivamente. Sinceramente este SOW 2014 foi o melhor evento
em que eu já participei, só pecou por não ter trazido os meus
atletas do COV-Natura para participarem comigo. Mas todo este
ambiente vivido aqui, a descontração, a qualidade organizativa, a
qualidade dos mapas e a preocupação com os pormenores, tornam este
evento único e uma referência muito forte no mundo orientista.
E o João? Vai permanecer fiel ao
SOW e continuar a rumar à Suiça para uma semana ao nível desta que
acaba de chegar ao fim?
J. M. - Infelizmente ir até
ao SOW acarreta despesas muito significativas e não está ao nível
de todos, uma vez que há uma grande diferença entre a realidade
económica portuguesa e a realidade económica suiça. Os preços são
muito altos para o comum português nos artigos mais básicos. Eu só
tive hipótese de ir este ano por ter a facilidade em termos de
alojamento e alimentação facultados pela minha família residente
em Zermatt. Daí que talvez não me possa dar ao luxo de poder voltar
a competir tão cedo num evento destes na Suíça. Com muita pena
minha, claro!
Para ficar a conhecer ao pormenor o
dia a dia de João Moura em Zermatt e a sua experiência na Swiss
Orienteering Week 2014, não deixe de visitar a sua página pessoal
em http://joao-moura.blogspot.pt.
[Foto gentilmente cedida por João
Moura]
Saudações orientistas.
Joaquim Margarido