“Passo a resumir: A
Orientação de Precisão é o meu desporto, a minha paixão, a minha
vida. Mas há muitas questões que não consigo compreender e
explicar a mim própria.” Marina Borisenkova, medalha de bronze
pela Russia na competição por equipas dos Campeonatos da Europa
ETOC 2014, apresenta-se hoje na tribuna do Orientovar. Com muitas
certezas... e alguns pontos de interrogação!
Gostaria de começar
por lhe pedir que se apresentasse.
Marina Borisenkova (M.
B.) - Nasci e vivo na Russia, numa das suas mais bonitas e
antigas cidades, Pskov, na fronteira noroeste do país. Aos 23 anos,
uma cirurgia que não correu bem fez com que acabasse numa cadeira de
rodas. Antes do acidente, praticava Atletismo. Quase imediatamente
após a cirurgia, em 2000, comecei a praticar Orientação de
Precisão e foi selecionada para participar nos Campeonatos da
Rússia. Tinha apenas uma vaga ideia do que era uma baliza ou um
azimute, mas fiquei agarrada ao TrailO e foi impossível escapar-lhe.
Para mim, ter a sorte de combinar a beleza dum ambiente natural, com
a exigência física e mental e a luta pela vitória é uma
felicidade. Apaixonei-me pelo TrailO e este amor permanece até aos
dias de hoje!
Agora tenho uma série de
prémios conquistados na Russia. Em 2006 consegui uma boa prestação
e ingressei na sekleção nacional, participando no meu primeiro
Campeonato do Mundo, na Finlândia. Há cinco anos atrás nasceu o
meu filho, Ilya, e foram momentos de enorme alegria! Mas treinar e
competir em diferentes eventos tem-se tornado cada vez mais difícil,
apesar da enorme ajuda que a minha mãe e o meu marido, Alexander, me
dão. É graças a eles que continuo agarrada ao TrailO.
Esteve recentemente em
Portugal, tendo participado no ETOC. Pode falar-me um pouco do
processo de seleção?
M. B. - O ETOC em
Portugal representou, para a seleção russa, o início da temporada
de competição. De Dezembro a Março, as condições atmosféricas
impedem-nos de competir e, portanto, o processo de seleção
baseou-se nos resultados dos Campeonatos da Rússia da temporada
passada e outros resultados já nesta época. Nos Campeonatos da
Rússia temos mais de sessenta atletas a competir na Classe
Paralímpica, pelo que pode perceber-se que conseguir um lugar na
seleção não é tarefa fácil.
Como é que se preparou
para os Europeus?
M. B. - Primeira
grande competição da temporada, os Campeonatos da Europa tiveram
lugar demasiado cedo, fazendo com que a nossa preparação não fosse
a melhor. Tivemos algumas sessões de treino em Abril, mas na nossa
região há ainda muita neve o que nos impede de fazer longas
viagens. Portanto, os meus principais treinos foram teóricos,
analisando distâncias e mapas dos últimos anos. Eu sabia que o Knut
Ovesen seria o Supervisor Internacional e, daí, ter estudado
atentamente a que distâncias ele habitualmente traça, tentando
perceber as suas ideias e desafios. Mas a melhor forma de treino tem
a ver com a participação nas provas e a análise detalhada das
nossas prestações, daí que a minha presença nas grande
competições do Outono, na Letónia, Lituânia e Rússia tenham sido
fundamentais.
Terminar a competição
de PreO na 14ª posição era aquilo que estava à espera?
M. B. - Terminar em
14º lugar entre atletas tão fortes é muito bom. É claro que cada
um de nós sonha com a medalha de ouro e eu não fujo à regra. Mas é
possível que o meu ouro esteja mais à frente! Em Portugal, o meu
desempenho teve a ver com diversos fatores: o tempo, a visibilidade
das balizas, a possibilidade de me deslocar em longas distâncias, a
capacidade de ler o mapa em movimento, uma atitude certa e um pouco
de sorte. Resultado: uma excitante e recompensadora medalha de
bronze! Na Orientação de Precisão, os resultados dependem com
frequência da qualidade do mapa e do traçado de percursos. Quanto
maior for a qualidade destes dois fatores, maior é a igualdade de
circunstâncias em termos da competição em si. Os problemas são
para ser resolvidos, não para se adivinhar!
E quanto ao TempO?
M. B. - Gosto do
ritmo. Pronta e acertadamente. Mas há aspetos relacionados com esta
disciplina para os quais é difícil encontrar respostas. Por
exemplo, porque é que os percursos não se dividem por classes,
Aberta e Paralímpica? Nas últimas competições tem-se notado um
aumento da diferença de oportunidades dadas aos atletas da Classe
Aberta e àqueles que competem em cadeiras de rodas. Na abordagem às
estações, por exemplo, um atleta de pé (sobretudo se for alto)
consegue ter uma imagem muito mais abrangente do terreno do que um
atleta em cadeira de rodas. As preocupações daqueles que se
deslocam em cadeira de rodas têm a ver com o terreno, sim, mas em
termos de falhas, para não caírem. Nos Campeonatos do Mundo de
2013, na prova de TempO, os atletas em cadeira de rodas foram
obrigados a um esforço tremendo para subirem colinas e atravessarem
zonas de areia solta, a pulsação a chegar às duzentas batidas por
minuto o que, convenhamos, não é a melhor condição para depois
responder aos problemas. E isto acabou por ficar muito bem
demonstrado nos resultados obtidos pelos atletas em cadeira de rodas
durante a qualificação, basta ver quantos deles chegaram à Final.
Portanto, na minha opinião, deveria haver duas Classes no TempO,
Aberta e Paralímpica. Definitivamente!
Olhando para as
classificações, vemos Finlândia e Suécia, Suécia e Finlândia,
e... Rússia. Que significado tem o terceiro lugar alcançado na
competição por Equipas, com dois atletas Paralímpicos?
M. B. - Foi um
tremendo sucesso. Especialmente porque, entre os 18 participantes das
seis equipas presentes no pódio, houve apenas três em cadeira de
rodas e dois deles eram da Rússia. O que é significativo e
particularmente valoroso! Penso que o facto de a nossa equipa ter
alcançado o terceiro lugar pode ser um exemplo para muitas crianças
na Rússia. Ficar numa cadeira de rodas não significa que a pessoa
deva desistir ou ser uma espécie de marginal, não é nenhuma
fatalidade. No meu país, como em muitos outros, podemos ver que os
resultados têm a ver, principalmente, com o desenvolvimento do
desporto na Rússia, com a atitude e com o atleta. Temos resultados e
é isso que é importante!
Dum modo geral, que
avaliação faz do ETOC 2014? Consegue indicar o melhor e o pior?
M. B. - Portugal
foi um dos mais belos países que visitei até hoje. Tem montanhas,
um mar enorme e verdadeiro, um céu muito azul, um cabo no fim do
Mundo – Cabo da Roca – e deliciosas tangerinas! Dos Europeus
gostei de tudo: a amizade dos organizadores, a simpatia dos
acompanhantes das cadeiras de rodas, a qualidade dos percursos, uma
equipa técnica precisa e um tempo perfeito. Foi tudo fantástico!
A Orientação de
Precisão caminha na direção certa?
M. B. - Sim,
claramente! Mas temos levantado, repetidamente, as seguintes
questões, as quais acreditamos possam ser importantes no
desenvolvimento desta disciplina: (1) o TempO te, necessariamente, de
ser separado em duas classes, Aberta e Paralímpica; (2) na
competição por equipas deve voltar a haver resultados separados por
classes, Aberta e Paralímpica; (3) no sentido de aumentar o
interesse do TrailO nos jovens deve ser permitida a inclusão dum
atleta adicional, se presente como junior, em relação ao número
definido em cada uma das classes e tipo de competição: (4) ter uma
classe Paralímpica também na Taça da Europa de Orientação de
Precisão (ECTO).
Acredito na Orientação
de Precisão como uma oportunidade para a auto-realização,
adaptação e apoio a pessoas com deficiência. Podemos assistir, nos
últimos tempos, a um processo de “desalojamento” das pessoas em
cadeira de rodas, muito gentil e disfarçadamente. Clamamos por
distâncias adequadas e acessíveis, adaptamo-nos à chuva, vencemos
desníveis sem qualquer tipo de ajuda e parece que ninguém percebe o
esforço que fazemos. Lutar em igualdade de circunstâncias é
realmente muito duro. Agora mesmo, na Taça da Europa, não haver
classe Paralímpica (!) … É um insulto, é incompreensível.
Vamos vê-la a competir
no Campeonato do Mundo de Orientação de Precisão WTOC 2014, em
Itália? Quais são os seus grandes objetivos?
M. B. - Claro que
sim, estou a preparar-me para o WTOC 2014 e espero mostrar que não
foi acidentalmente que consegui chegar ao pódio em Portugal.
Saudações orientistas.
Joaquim Margarido