Antonio Carlos Silva nasceu em 21 de
Dezembro de 1975, em Brasília. Graduado em Pedagogia e pós graduado
em Gestão de Recursos Humanos, é funcionário da Agencia Nacional
de Aviação Civil. Nas horas vagas gosta de ler, correr, jogar vídeo
game, curtir os sobrinhos, ou escrever pequenos poemas ou contos.
Embora reconhecendo que “essas horinhas são curtas”,
disponibilizou-se a partilhar connosco as suas impressões sobre algo
que faz parte da sua vida: a Orientação.
Orientovar - Quando começou a
praticar Orientação e que significado tem para si este desporto?
António Carlos Silva - Fui
apresentado à modalidade no final de 2008. Minha amiga Vanessa,
conhecedora dos meus interesses, falou acerca dum desporto onde era
possível percorrer trilhos tendo como desafio encontrar pontos com o
auxílio de uma bússola e um mapa. Daí fui apresentado ao meu
mentor e amigo, José Fernandes, o qual possui alguns títulos
importantes no Brasil e me tem ensinado bastante. Para mim a
Orientação é o resultado da junção de três coisas que sempre
gostei: testar o raciocínio, estar em contacto com a natureza e
correr. Além disso, serve como terapia, já que possuo uma grave
doença na retina e fui aconselhado pelo médico a ir ao encontro de
atividades que diminuissem o grau de stress laboral a que estava
exposto. No início acho que ele não achou muita piada à ideia, mas
hoje podemos ver, literalmente, os bons resultados.
Orientovar - Apesar da sua vida
de orientista ser relativamente curta, atrevia-me a pedir-lhe que nos
enumerasse algumas das experiências mais marcantes ao longo destes
quatro anos?
António Carlos Silva - De facto
sou um novato ainda, aprendendo a ficar de pé na Orientação. Mas
já posso citar momentos marcantes nesta modalidade tão apaixonante.
Na minha curta trajetória, como marcantes estão todos os resultados
que me levaram aos pódios. Felizmente, vez ou outra consigo aparecer
numa cerimónia de entrega de prémios. O pódio é um momento
mágico, onde o atleta extravasa emoções, onde mostra a todos a sua
capacidade de superação. Também é o momento de reverenciar
aqueles que engrandecem a disputa, ou seja, todos os outros atletas
que lutaram mas não conseguiram aquele tempo ou aquelas balizas tão
desejadas.
A vontade é de enumerar aqui vários
momentos pitorescos na prática da Orientação. Isso por conta da
paixão que tenho por essa modalidade. Mas vou citar apenas mais
dois. O primeiro deles: a participação no WMOC 2011. Representar o
Brasil no WMOC 2011 foi de uma carga emocional enorme. Impossível
esquecer o momento em que eu, Marco Aurélio e Paulo Becker
empunhámos a bandeira do nosso país, no desfile de abertura em
Pécs, na Hungria. Foi emblemático por vários motivos. Estávamos
longe do nosso país, sem sequer um uniforme de equipa
(diferentemente do que ocorre com os atletas brasileiros que disputam
o WOC ou os Jogos Mundiais Militares). Além disso, por diversas
vezes fomos interrogados sobre a candidatura do Brasil para receber o
WMOC 2014, inclusivé fomos entrevistados pelos organizadores do
evento. Bem, fizemos a nossa parte, respondendo a todos sobre como é
praticar Orientação no Brasil e que, sim, temos condições para
organizar um Mundial. Felizmente, durante a competição, o blogue
Orientovar produziu uma matéria versando sobre nossa presença no
evento. Aquela matéria foi uma injeção de ânimo, pois havia entre
nós uma sensação de abandono já que, embora sendo o Brasil
candidato a sede do WMOC 2014, não houve manifestação oficial da
Confederação Brasileira de Orientação sobre nossa presença no
evento. Foram as palavras do Joaquim Margarido, pelo Orientovar, que
estamparam na internet o reconhecimento do que representava a nossa
presença naquela competição. É muito importante mostrar aos
atletas que eles não estão sozinhos. Voltei da Hungria com a mala
recheada de novas experiências e conhecimentos técnicos e sobre
organização de grandes eventos. A outra experiência marcante está
ocorrendo agora, enquanto respondo a estas perguntas.
Precisamos profissionalizar a gestão e
a execução dos eventos
Orientovar - Todos sabemos o
quanto a modalidade tem evoluído no Brasil nestes últimos tempos.
Como tem acompanhado este processo?
António Carlos Silva - Tento
posicionar-me o mais perto possível dessa evolução. Percebo que
ela implica, consequentemente, uma maior participação de civis.
Explico melhor: aqui no Brasil a Orientação é maioritariamente
composta por atletas do meio militar. Ampliar o número de
participantes vai de encontro, portanto, a uma mudança quase
cultural acerca da forma como a modalidade vem sendo tratada por
aqui. Num país tão grande como o nosso, é fundamental que as ações
sejam realmente democráticas. Felizmente, percebe-se um crescente
movimento neste sentido. Aos poucos, os eventos nacionais vão
ocorrendo fora da região Sul, valorizando os demais clubes e
atletas. Também há um visível esforço da Confederação
Brasileira de Orientação em incentivar a participação de crianças
e adolescentes em idade escolar.
Importa salientar que a modalidade aqui
é considerada amadora, mas possui um crescimento acima da média
quando a comparamos com outros desportos. Entretanto, no meu
entender, ainda há muito a fazer. São vários os esforços dos
clubes para cativar novos atletas, mas apenas uma percentagem muito
pequena continua praticando a modalidade depois do contacto inicial.
A fidelização dos novos orientistas ainda deixa muito a desejar.
Precisamos profissionalizar a gestão e a execução dos eventos de
Orientação, dar prioridade às ações de marketing e alargar o
espaço de debates de ideias. Importante, ainda, estarmos atentos às
novidades tecnológicas, tal como está sendo feito na Europa.
O trabalho em conjunto traz bons frutos
Orientovar - Admito que, em
termos pessoais, a criação do “Orientista em Rota” seja a sua
pequena contribuição para a melhoria deste desporto. Porquê um
blogue?
António Carlos Silva - Quando
comecei a participar em competições, tive a clara percepção de
que a divulgação era um espaço vazio na Orientação. Ciente da
força que tem a internet e suas ferramentas, achei por bem criar um
espaço dedicado aos nossos atletas. No Orientista em Rota há espaço
para mostrar ao mundo imagens dos atletas em campo, nos pódios ou em
momentos de confraternização. Também há uma tentativa de criar um
espaço para discussões técnicas e colher sugestões de melhoria
para os próximos eventos. Ainda falta muito, mas vou tentando a cada
dia melhorar este espaço. Sobre o formato de blogue, tem muito a ver
com a questão de ser um espaço mais ágil. Já pensei em criar um
fórum de discussão, mas percebi que não temos maturidade
suficiente para tal (talvez seja necessário um pouco mais de tempo,
para que tanto os atletas quanto os dirigentes tenham uma melhor
noção de como utilizar esta ferramenta em defesa da Orientação).
E quando falo em maturidade, refiro-me exclusivamente à dificuldade
que temos em debater ideias. Há uma barreira sublimada a qual se
firma na premissa de não contrariar aqueles que porventura são mais
experientes na Orientação no Brasil. Quando sugiro ou exponho algo
que vejo como negativo numa regra ou num evento, quero que entendam
essas ações como uma oportunidade de melhoria e não como se
estivesse desafiando ou tentando desmoralizar alguém.
Orientovar - Como avalia a
parceria com o Orientovar e que resultou numa divulgação mais
alargada do recente Campeonato Sul-Americano de Orientação?
António Carlos Silva - Confesso
que fiquei positivamente surpreendido. Já conhecia o Orientovar e
tenho especial admiração pela forma como são escritos seus textos.
Também tenho a noção de que é um espaço com boa aceitação aqui
no Brasil. A participação sincera dos orientistas foi o que me fez
crer que estamos no caminho certo. Embora pese a sensação que nas
entrelinhas há um certo receio por parte dos orientistas em tecer
críticas aos organizadores, ainda assim elas tornaram-se explícitas
e são extremamente importantes para melhorar nossos eventos.
Acredito que o mérito de toda essa grande divulgação se deva à
credibilidade conferida ao Orientovar. Sem titubear, arrisco-me a
afirmar que esta foi uma das melhores coberturas online de um evento
já realizado aqui no Brasil. O facto foi emblemático e confirma a
máxima de que o trabalho em conjunto traz bons frutos.
Falta de padronização dos nossos
eventos
Orientovar - Lena Eliasson foi
uma das orientistas presentes no Sul-Americano e que teve a gentileza
de partilhar conosco algumas impressões sobre o evento. Concorda com
as observações feitas?
António Carlos Silva - Concordo
em todos os aspectos. São observações que mereciam realmente ser
expostas por alguém alheio à nossa realidade. Espero, de todo o
coração, que os nossos dirigentes estejam atentos a essas
considerações. Aqui abro um parêntesis para enaltecer a atitude do
casal Ronaldo e Thaiane em trazer dois atletas de gabarito para a
competição. Este intercâmbio é importantíssimo, sobretudo para
quem deseja sediar um WMOC. A questão das distâncias e tempo de
conclusão dos percursos foi atípica neste Sul-Americano. Daí a
importância dos nossos cartógrafos e traçadores de percurso
participarem em eventos na Europa. Aqui na capital, Brasília,
tivemos uma melhoria considerável na organização das provas depois
que o atleta Marco Aurélio decidiu implementar modelos os quais viu
na Suiça, na Hungria e em Portugal. Apesar das resistências, em
Brasília foi possível realizar em 2011 um campeonato de Sprint. E
este torneio deixou-me completamente à vontade no Sprint do WMOC
2011. Felizmente estamos dando os primeiros passos. E o pioneirismo
reside, também, em trazer o que há de melhor no berço da
Orientação. Temos a bela oportunidade de avançar a partir das
experiências e melhorias já implantadas na Europa.
Ainda pecamos na questão de divulgação
dos eventos, nos informativos com partes de mapas e fotos do tipo de
terreno que será encontrado e no apoio logístico para os
orientistas. Este é um ponto sobre o qual gostaria de tecer mais
comentários. Talvez o grande problema esteja na falta de
padronização dos nossos eventos. Por exemplo, em 2011, o nosso
CamBOr (Campeonato Brasileiro de Orientação) foi realizado na
cidade de Fortaleza (litoral da região Nordeste), em Caldas Novas
(região central do Brasil) e em Santana do Livramento, onde também
ocorreu o Sul-Americano. De positivo é importante realçar que foram
respeitadas a diversidade de vegetação, de clima e de atrativos
naturais. Tivemos a oportunidade de disputar provas no calor, sob
chuva e no frio. Mapas brancos, com bastante curvas de nível e em
áreas abertas e também verdes. Essa diversidade é muito positiva.
Entretanto, diferenças brutais foram facilmente observadas quanto às
premiações (medalhas e troféus), organização logística,
divulgação nos meios de comunicação social locais, cumprimento
dos calendários propostos, divulgação dos horários de partida,
capacidade técnica e quantidade de pessoal de apoio para a
realização das diversas atividades que envolvem uma competição.
O choro da Wilma é como um alívio e
incentivo a todos os orientistas brasileiros
Orientovar - Se lhe pedisse, à
semelhança daquilo que faz o World of O, que indicasse quem foi para
si a figura do ano 2011 no Brasil, tanto no sector masculino como no
feminino, quem apontaria e porquê?
António Carlos Silva - No
masculino, Marco Aurélio Teixeira, por todas as inovações que
trouxe para as competições regionais em Brasília. Agora ele vai
atuar no interior de São Paulo e julgo importante observar lá o seu
trabalho. No feminino, impossível não destacar a equipe feminina
que conquistou o terceiro lugar nos Jogos Mundiais Militares. O choro
da Wilma é como um alívio e incentivo a todos os orientistas
brasileiros.
Orientovar - Qual o seu
calendário pessoal e os grandes objectivos para a nova temporada que
agora começa?
António Carlos Silva - Reparto
a Orientação com o trabalho, o que não é fácil. Estou com 36
anos mas vou permanecer na categoria H21A agora em 2012. Sei que
ainda tenho muito a aprender e é este o meu maior objetivo. Neste
ano conhecerei de perto o Portugal O' Meeting e participarei no meu
segundo WMOC, na Alemanha. Quero compartilhar com aqueles que ficam
as experiências vividas nas competições europeias. No meu clube a
ideia é auxiliar na captação de recursos financeiros para
incrementar os prémios e obter melhorias nos materiais utilizados
(desde bases para balizas até a confeção de novos uniformes). É
um passo para fidelizar um maior número de orientistas.
Tenho muito orgulho em ser praticante
de Orientação
Orientovar - A finalizar
pedia-lhe um voto para a Orientação brasileira e para todos aqueles
que espalham o perfume deste desporto pelas florestas do Brasil.
António Carlos Silva - Tenho
muito orgulho em ser praticante de Orientação. Estou muito grato a
Deus por poder cruzar o Oceano e, além de correr, conversar com
outros praticantes e desmistificar algumas ideias, às vezes
equivocadas, sobre o nosso país (foram inúmeras as vezes que, em
Pécs, na Hungria, pude falar com orientistas de outros países
acerca dos nossos mapas, sobre as condições que temos para realizar
um grande evento, sobre a nossa fauna, sobre a incrível diversidade
de clima e terreno que possuímos). Espero ansiosamente que os nossos
dirigentes vejam os orientistas como clientes e estrelas dos eventos
desportivos. Estes que hoje estão coordenando os rumos do nosso
desporto são heróis, pois o Brasil é a “pátria” do Futebol,
do Voleibol e da Natação. Segundo dados da Confederação
Brasileira de Orientação, estamos próximos dos dez mil orientistas
registados. Tarefa nada fácil num país onde existe um campo de
futebol em quase todo os quarteirões. Mas os tempos são outros e é
preciso estar atento a toda gama de mudanças. Os meus sinceros
parabéns a todos os que contribuem para o crescimento do desporto
aqui e no resto do mundo. Seja organizando, seja divulgando, seja
criticando, seja suando a camisa ou sujando os pés no campo de
provas.
[Fotos gentilmente cedidas por António
Carlos Silva]
Saudações orientistas.
JOAQUIM MARGARIDO
1 comentário:
Olá, Joaquim.
Agradeço imensamente o apoio que tens dado a todos nós aqui do outro lado do Atlântico. Agradeço, ainda, a oportunidade e parabenizo-o pela simplicidade e sensibilidade das perguntas, as quais refletem o compromisso do seu blogue e da sua pessoa em buscar o melhor para a Orientação, seja aí na Europa, seja aqui no Brasil.
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