Alexander Shirinian é uma referência incontornável da história da Orientação nacional. Verdadeiro “homem dos sete instrumentos”, o russo deixou-nos um legado fundamental através, nomeadamente, da assinatura do seu nome nalguns mapas emblemáticos do nosso País. É ele o protagonista do terceiro episódio desta rubrica destinada a assinalar os vinte anos da Federação Portuguesa de Orientação.
Orientovar - Quem era Alexander Shirinian antes de o conhecermos?
Alexander Shirinian — Trabalhei na Russia como Professor da Faculdade de Educação Física da Universidade de São Petersburgo, entre 1984 e 1992 e como treinador da equipa militar da minha região, de 1976 a 1984. De 1974 a 1980 fui um atleta de Alto Rendimento em Orientação, Vice-Campeão da União Soviética, catorze vezes Campeão de Leninegrado (São Petersburgo) e seis vezes Campeão das Forças Armadas da União Soviética. Tornei-me conhecido como Cartógrafo e fiz à volta de vinte mapas antes de encontrar Higino [Esteves].
Orientovar - Como surgiu a possibilidade de vir para Portugal colaborar com a Federação Portuguesa de Orientação?
Alexander Shirinian - Por acaso encontrei o Higino Esteves pela primeira vez na Suécia (O-Ringen), em 1994, e na mesma prova um ano depois. Foi então que o Higino me fez a proposta de executar trabalho cartográfico em Portugal e que eu aceitei. Cheguei a Lisboa em Janeiro de 1996 com a grande prioridade de fazer o mapa para a primeira edição do Portugal O’ Meeting, em Mafra. O tempo não ajudou, o terreno revelou-se extremamente difícil de cartografar, o prazo final foi muito apertado - menos de dois meses até à prova! -, mas dei o meu melhor e consegimos fazer uma prova óptima, de parceria com os Amigos do Atletismo de Mafra.
Elaborei cerca de cinquenta mapas com uma superficie total superior a 200 km2
Orientovar - Que Orientação veio encontrar em Portugal?
Alexander Shirinian – Na segunda metade da década de 90, a Orientação em Portugal atravessava um período de desenvolvimento rápido, graças a uma enorme e entusiástica actividade por parte de Higino Esteves e de, entre muitas outras pessoas, Isilda Santos, Jorge Simões, Luís Sérgio, Armando Rodrigues, José Carlos Pires, Teresa Marques, Augusto Almeida e Francisco Pereira. Mas ainda assim, apesar de todo este empenho, a evolução da modalidade manteve-se condicionada pela existência dum grande número de obstáculos. A baixa qualidade dos mapas, os poucos clubes com capacidade para organizar provas de nível suficiente, a escassez de atletas nas categorias de Juvenis e Juniores, a falta de conhecimento no tocante ao planeamento dos percursos e o fraco nível dos atletas da equipa nacional eram problemas que subsistiriam ainda bastante tempo.
Orientovar - Centrou o seu trabalho sobretudo na execução de mapas, relegado que foi para segundo plano o trabalho com os atletas. Que balanço faz desse seu trabalho?
Alexander Shirinian – Quando vim para Portugal, a execução de mapas era um aspecto muito importante para o futuro da modalidade e, objectivamente, concentrei-me nessa tarefa. Mas esporadicamente participei em cursos de Cartógrafos, Traçadores de Percursos e Treinadores, bem como em estágios das equipas nacionais de Seniores e Juniores. No período entre 1996 e 2000, sozinho ou com parceiros, elaborei cerca de cinquenta mapas com uma superficie total superior a 200 km2. Os mais importantes foram os da Tapada de Mafra (POM’96), Serra do Gerês (Campeonato Ibérico 1996), Parque Florestal de Monsanto (1996), Furadouro (POM’97), Serra de Cabreira (POM’99), Praia de Vieira e Marinha Grande (World Cup Final 2000) e Praia de Mira (POM’2000). Mas o trabalho que mais prazer me deu foi o planeamento dos percursos para as provas de maior importância, nomeadamente o Portugal O’ Meeting de 1996 a 2000, os Campeonatos Ibéricos de 1996 e 1998 e os Campeonatos Nacionais.
Também gostei muito de trabalhar nos estágios das equipas nacionais, especialmente com a juventude. Infelizmente para mim, havia poucas ocasiões de trabalho deste género. Dos atletas com alguma capacidade potencial na arena internacional, em finais do século XX, posso mencionar o Mário Duarte. Depois apareceram o Joaquim Sousa e o Marco Póvoa. Entre os jovens, a grande promessa foi o Pedro Nogueira, mas a falta de experiência internacional e, também, de condições de treino (geralmente por falta de treinador profissional que pudesse trabalhar com atletas a tempo inteiro), fez com que a expressão das potencialidades destes atletas não alcançasse o devido significado a nível mundial.
Sempre me senti em Portugal como em casa
Orientovar - Dos muitos momentos vividos em Portugal, quais aqueles que conserva na memória como fazendo parte das suas mais gratas recordações?
Alexander Shirinian - A recordação mais grata é o País e as suas gentes. Sempre me senti em Portugal como em casa. Nao só os amigos e parceiros da Orientação, mas todas as pessoas que eu encontrei e com as quais contactei, mostraram a sua hospitalidade. Todos os portugueses foram muito amigáveis para mim. Eu amo Portugal, a sua natureza, as suas gentes. Tenho muitos amigos, respeito todas as pessoas que encontrei durante a minha actividade em Portugal. Não há espaço para mencionar todos eles mas gostaria de realçar o José Carlos Pires, um homem muito inteligente e bem organizado (esta última qualidade nem sempre se encontra em Portugal), talvez o meu amigo mais próximo em Portugal. Higino Esteves, fez muito não só pela Orientaçao em Portugal mas também por mim, em termos pessoais. Armando Rodrigues – trabalhador dos trabalhadores! -, a maior parte dos mapas feitos por mim foram desenhados por ele. Os dirigentes dos clubes, Teresa Marques, Jorge Elias, Francisco Pereira, Augusto Almeida e Altino Silva. Os amigos pessoais, Mario Duarte, Carlos Garcia, Ricardo e Pedro Nogueira, Rui Antunes, Bruno Nazário. E muitos, muitos outros.
Orientovar - Em 2001, quando abandonou Portugal, era um homem realizado ou deixou muito trabalho ainda por desenvolver?
Alexander Shirinian – Deixei Portugal por razões familiares, mas não queria dizer muito sobre isso. Todavia, a minha partida também foi motivada por uma grande fadiga fisica e psicológica. O trabalho de Cartografia é muito duro. Podia aguentar dois ou três meses sem descanso, mas não foi possível aguentar o mesmo ritmo a tempo inteiro. Nenhum dirigente de FPO é responsável por esta situação, foi uma decisão pessoal. Peço desculpa por isso. Acho que havia muita coisa para fazer e não posso afirmar que me tenha realizado completamente, mas saí duma terra plantada e que viria a dar os seus frutos no futuro. Isto ficou bem patente na excelente organização do Campeonato do Mundo de Veteranos, no ano de 2008.
Fiz tudo o que podia dentro das minhas capacidades
Orientovar – Após a sua saída, continuou a acompanhar a Orientação em Portugal?
Alexander Shirinian - Nos anos seguintes visitei Portugal algumas vezes, mas sem grande sucesso. Em 2002 trabalhei três meses, mas fiz pouco. Naquele momento não me encontrava ainda suficientemente recuperado, nem física, nem psicologicamente. No ano de 2009 participei nos estágios dos clubes bem como da Selecção Nacional. Gostei muito, mas isto foi apenas uma colaboração episódica porque não há emprego a tempo inteiro, qualquer que seja o clube ou mesmo na própria Selecção Nacional. A última visita, essa então não correu bem de todo. O trabalho previsto para vinte dias que me foi proposto não podia ser feito com qualidade dentro deste prazo. Com quarenta graus de calor no Alentejo, fiz tudo o que podia dentro das minhas capacidades. Peço desculpa ao Tiago Aires e à Raquel Costa. Foi um trabalho mal planeado da minha parte. Precisava de mais tempo para concluir esse trabalho.
Orientovar - Que análise faz do actual momento e que futuro para a Orientação portuguesa?
Alexander Shirinian - Penso que a Orientação em Portugal deu um grande passo em frente na última década e que há muitas coisas boas. Posso mencionar a grande qualidade das provas organizadas por clubes bem como pela FPO a nível mundial. Também estou bastante contente com o número elevado de praticantes jovens devido ao trabalho dos dirigentes dos clubes. Não tenho dados suficientes para fazer uma análise completa e detalhada, mas poderia dizer que não gostei de tudo o que vi na última (e única) prova em que participei em Portugal, em Setembro de 2009, principalmente em termos do planeamento e traçado dos percursos. Foi apenas uma prova regional, mas algumas tendências não me agradaram muito. Dum modo geral, penso que a falta de contactos internacionais em áreas vitais como a cartografia, o planeamento, o treino, etc., constitui o maior problema em todos os sentidos. Isto acontece igualmente ao nível da competição. Sem a resolução do problema da falta de condições de treino profissional para os atletas de Alto Rendimento, Portugal não poderá esperar situar-se ao nível dos primeiros, casos dos países nórdicos, da Rússia ou da Suíça.
A criação dum mapa moderno leva hoje mais tempo do que levava no século passado
Orientovar – Caso a oportunidade surgisse, voltaria a aceitar um convite da FPO para trabalhar em Portugal?
Alexander Shirinian - Sinceramente, não sei. Tenho medo de aceitar um convite para Cartografia depois do último trabalho que fiz sem sucesso. Não que tenha perdido a capacidade técnica para este tipo de trabalho, mas as condições físicas já não me permitem trabalhar em terreno duro ou durante períodos superiores a 20-30 dias. Aqui na Rússia continuo a fazer mapas, mas apenas durante os meus tempos livres, aos fins-de-semana ou nas folgas do meu trabalho principal. Se aceitasse um convite para cartografia, gostaria que as pessoas que fazem a planificação do trabalho levassem em consideração que a criação dum mapa moderno leva hoje mais tempo do que levava no século passado. Na minha terra, planeamos sete a dez dias de trabalho por km2 para um terreno de dificuldade média e de dez a catorze dias por km2 para um terreno difícil ou muito difícil. Isso é uma realidade. As coisas, para serem bem feitas, não se podem fazer com pressa. Mas é claro que gostaria de regressar a Portugal para fazer coisas úteis dentro das minhas actuais capacidades.

Portugal O' Meeting 1996, Mafra
Taça do Mundo 2000, Marinha Grande
Selecção nacional de Juniores, 2000
[Fotos e legendas de Alexander Shirinian]
Saudações orientistas.
JOAQUIM MARGARIDO