(continuação)
Deixando o plano internacional e
analisando a temporada no plano interno, que avaliação faz?
B. N. - Em País algum a
Orientação vive das Elites, mas sim das pessoas no seu todo. Assim,
a grande reflexão que deve ser feita – não apenas por mim, mas
por todos os agentes da modalidade – é sobre o que se passa,
porque é que as nossas provas têm cada vez menos pessoas a
participar. Mais do que analisar quem ganhou ou quem perdeu o
ranking, essa é que deve ser a grande preocupação, porque é que
temos cada vez menos pessoas nas provas.
E porquê, Bruno?
B. N. - Bem, eu já por duas
vezes expressei a minha opinião acerca deste assunto no local
próprio, que é a Assembleia Geral da Federação Portuguesa de
Orientação. Na minha opinião, há um excesso de provas de âmbito
nacional. Uma família portuguesa tipo, casal com um ou dois filhos,
não tem capacidade financeira para fazer o número necessário de
provas para completar o ranking. É quase incomportável, a não ser
que tenha por detrás um clube que suporte a maior parte dessas
despesas. Por isso, a minha perspetiva é a de que a orientação se
deveria apoiar cada vez mais nas provas de âmbito local e regional,
minimizando assim os custos dum fim de semana longe de casa, com a
viagem, o alojamento, a alimentação e ainda as inscrições nas
provas a pesarem fortemente no orçamento familiar. Se queremos
evoluir, temos de ter muita gente a praticar orientação em
Portugal. Veja-se o que se passa com uma modalidade que nos é
próxima e que é o Trail running, com provas a nascer todos os dias
“como cogumelos” e dando possibilidade às pessoas de, se não
nesta semana, na próxima, participarem e fazerem aquilo que gostam
sem a preocupação duma grande deslocação. Acho que está aí um
bom exemplo de como se cativam praticantes. É uma questão de
percebermos, afinal, aquilo que queremos. Mas volto a frisar que esta
é uma reflexão que deve ser feita não só pela Direção da
Federação mas também por todos os agentes da modalidade.
A quebra no número de participantes
está à cabeça das suas preocupações e é a grande conclusão que
retira da análise à temporada que agora termina. E em termos
competitivos, também houve retrocesso?
B. N. - Sim. O facto de não
termos em todas as provas os melhores atletas faz com que o nível
competitivo seja menor. Seria de esperar que os dois primeiros
classificados do ranking estivessem nos Campeonatos do Mundo e nenhum
deles esteve. Houve um grande número de atletas que viu a sua
participação em inúmeras provas condicionada por compromissos
profissionais e académicos. Veja-se o caso do Tiago Aires, o nosso
atleta mais valioso e que, à partida, está impossibilitado de
participar num grande número de provas por se disputarem em mapas
que ele próprio desenhou. Mas penso que com um número de provas
mais reduzido a competitividade aumentaria e os resultados finais do
ranking traduziriam de forma mais fiel a realidade da nossa
orientação.
Ou seja, ter os atletas mais
focalizados nas grandes provas, nos grandes momentos, para a obtenção
de grandes resultados.
B. N. - É precisamente isso que
nós queremos. Da forma como o calendário da Taça de Portugal está
construído, de Janeiro a Novembro, um atleta para vencer o ranking
não pode focar o seu pico de forma num Campeonato do Mundo, que é
aquilo que se pretende em relação aos nossos melhores atletas.
Pessoalmente, eu prefiro que os atletas da seleção treinem para
estar em pico de forma no Campeonato do Mundo, do que ter um atleta
que está sempre bem, pontua muito nas provas da Taça de Portugal e
até acaba por ser o vencedor, mas que depois não consegue aquele
pico para estar em altíssimo nível nos Mundiais.
Homens versus Damas. Este ano não
tivemos atletas femininas nos Campeonatos do Mundo e eu
perguntava-lhe se estamos a desinvestir no setor feminino.
B. N. - Eu diria que não é uma
questão de desinvestimento. Infelizmente, a Federação não tem
dinheiro para levar duas equipas completas aos Campeonatos do Mundo,
como eu desejaria, e o problema passa desde logo por aí. Também
podíamos fazer como fizeram os nossos colegas espanhóis, prescindir
duma semana de adaptação e treino na Finlândia antes dos
Campeonatos e levar mais atletas. Mas penso que, em termos de
resultados, isso não iria ser proveitoso. Foi uma opção minha,
baseada na análise que fui fazendo ao longo da época. Não vejo
isto como um desinvestimento, é mesmo a tal questão da falta de
recursos para levar toda a gente que pretendemos.
Sem recursos, estamos condenados a
não conseguir inverter esta situação tão rapidamente quanto o
desejável?
B. N. - Não sei. A minha
esperança é que a próxima época seja a época da mudança. Vamos
ter os Campeonatos da Europa em Portugal e, finalmente, não teremos
limitações em termos de atletas, podendo apresentar equipas
completas tanto no setor masculino como no feminino. Da mesma forma,
apesar de não sabermos ainda com que orçamento vamos poder contar,
existirá um investimento no sentido de levar atletas femininas aos
Campeonatos do Mundo em Itália. É um esforço e uma aposta na
tentativa de melhorar o campo feminino e eu acho que há margem e
motivação para que tal aconteça.
Esta nova “fornada” de atletas,
os nossos juniores, os nossos juvenis... o que é que vem aí?
B. N. - Vêm aí atletas que
terão pela frente muitos anos de experiência nos escalões jovens,
algo que é fundamental para que depois consigam dar o salto para a
Elite. São sobretudo atletas do escalão H16 – o João Bernardino,
o António Ferreira, o João Novo, o Ricardo Esteves, o Daniel
Catarino... -, mas que vão ter de trabalhar muito até atingirem
esse patamar.
Curiosamente não mencionou nenhuma
atleta feminina...
B. N. - Não, não mencionei.
Mas como deve ter reparado, nenhum destes atletas deu ainda o salto
para a Elite, enquanto que nas raparigas a situação é diferente. A
ideia de formar um grupo de meninas e de mulheres para o EOC,
leva-nos a pensar em nomes como a Beatriz Moreira, a Joana Fernandes
e a Carolina Delgado, todas elas pertencentes aos escalões jovens, e
também a Vera Alvarez, com idade ainda de junior, para integrarem os
trabalhos da seleção sénior. Algumas delas, possivelmente, estarão
em Palmela, naquilo que constitui uma aposta de futuro e também lhes
dará a possibilidade de fazerem a transição para a Elite da forma
mais tranquila possível.
Pegando no assunto dos Europeus, que
Campeonatos vão ser estes? De que forma é que o fator casa poderá
jogar a nosso favor?
B. N. - Não sei, as coisas
ainda não estão completamente definidas na minha cabeça. Em
relação às provas de Sprint e às finais, está tudo já bastante
bem estruturado face ao tipo de terrenos que vamos ter, mas tenho
ainda bastantes dúvidas no que diz respeito às restantes
qualificatórias. Julgo que irá ser um Campeonato com um elevado
nível organizativo, na linha daquilo que Portugal já deu mostras de
ser capaz. Não sei se a escolha de terrenos terá sido a mais
adequada, tendo em conta aquilo que são as características dos
nossos atletas, mas cá estaremos para dar o nosso melhor e para
dignificar o País.
Face à ligação muito grande que
tem com orientistas do Mundo inteiro, consegue perceber neste momento
o interesse que o evento está a despertar? Há muitas pessoas a
contactá-lo no sentido de saberem exactamente aquilo que poderão
esperar?
B. N. - No início houve algumas
pessoas a nível internacional a questionarem-me sobre o tipo de
terrenos e nota-se agora algumas seleções e alguns atletas, a
título individual, a procurarem os terrenos mais adequados para
virem preparar o Campeonato da Europa. No entanto, não vejo o
interesse pelo Campeonato da Europa como se de um Campeonato do Mundo
se tratasse. O Campeonato do Mundo continua e continuará sempre a
ser a prova mais importante da época para todos os atletas a nível
internacional.
Dentro de dias, os melhores atletas
do Mundo vão começar a instalar-se em força no nosso País
preparando a nova época. Este ano, contudo, percebe-se que há uma
enorme concorrência por parte da Espanha, da Itália e mesmo da
Turquia. Como é que avalia uma situação que, em última análise,
pode resultar na perda duma certa hegemonia verificada nos últimos
anos em Portugal, em termos de Campos de Treino e de provas de
elevado nível na chamada temporada de Inverno?
B. N. - A concorrência a nível
mundial faz parte do processo de globalização e nós não podemos
impedir que os outros organizem. A perspetiva portuguesa deve ser
sempre a de manter um padrão elevado de qualidade das nossas
organizações, porque é nelas que muitos atletas internacionais
confiam. Entendo que, se continuarmos a fazer bem o nosso trabalho,
os atletas continuarão a visitar-nos. Agora, temos de ser realistas
e perceber que não vamos fidelizar as pessoas para sempre, que
Portugal é e será eternamente o único destino de Inverno. Qualquer
um de nós gosta de variar no local escolhido para passar férias e
os atletas, sobretudo os atletas de Elite, buscam também terrenos e
desafios diferentes para, ano após ano, terem experiências novas e
que enriqueçam mais a sua capacidade de navegação.
Agora que caminhamos para o final da
nossa Entrevista, três questões muito rápidas, para três
respostas rápidas também: “WOC in the Future”?
B. N. - Não sei se vou
conseguir dar-lhe três respostas rápidas (risos). Tive a
oportunidade de intervir este ano na Conferência de Presidentes da
IOF, onde me manifestei contra o novo formato do Campeonato do Mundo
de Séniores. Como é sabido, o escalonamento dos países em três
divisões limita o número de atletas presentes nas finais de
Distância Longa e de Distância Média e esta é a grande machadada
na modalidade dada pela própria Federação Internacional. Aquilo
que se está a fazer é dizer a muitos atletas de muitos países que
podem deixar de treinar tendo em vista os Campeonatos do Mundo porque
nunca conseguirão lá chegar. Isto irá conduzir, fatalmente, a um
decréscimo do nível competitivo nos países em questão. Como é
que se motiva um grupo de dez ou quinze atletas a treinar época após
época se todos eles sabem que apenas um irá estar presente nos
Campeonatos do Mundo?
Mediatização?
B. N. - Em termos de
mediatização, aquilo que eu gostaria de ver a Federação
Internacional fazer era dar um apoio efetivo às organizações. Se
tomarmos como exemplo o Campeonato do Mundo deste ano, teremos de
reconhecer que dificilmente se fez tanto no campo da mediatização.
A produção e difusão de conteúdos foi extraordinariamente bem
desenvolvida e a preocupação da Federação Internacional deveria
ir no sentido de garantir este nível de mediatização duma forma
consistente, investindo por exemplo em todas as provas da Taça do
Mundo e na sua difusão regular pelas grandes canais televisivos
ligados ao desporto. Mas aquilo que eu vejo é o deixar as coisas
correrem um pouco ao sabor dos interesses das organizações,
aparentemente sem uma estratégia concertada. E as coisas não
funcionam desta forma.
Ambas as respostas anteriores levam
em certa medida à terceira questão: países ricos versus países
pobres”?
B. N. - Essa é a verdadeira
questão. Basta ver as inscrições para a Taça do Mundo, na
Turquia. Salvo erro estão inscritos atletas de treze países e
alguns desses países têm apenas um ou dois atletas inscritos e que,
muito provavelmente, irão a expensas próprias. Resultado: o nível
dos ricos é cada vez maior, enquanto os pobres têm cada vez mais
dificuldades em chegar lá acima. As possibilidades de uns e de
outros não tem comparação e, com medidas da Federação
Internacional como estas, é a própria justiça desportiva que é
colocada em causa.
Do seu ponto de vista, qual é o
momento alto da temporada?
B. N. - Para mim, o momento mais
alto da temporada é, obviamente, a despedida da Simone Niggli.
Trata-se duma atleta que deu muito à Orientação – e estou certo
que continuará a dar -, uma atleta que marca toda uma era e aquela
despedida na Final da Taça do Mundo, no Post Finance, na Suiça, é
realmente fenomenal. Ainda para mais, sair pela porta grande com uma
vitória foi ouro sobre azul. Para mim é o momento maior da
Orientação a nível internacional nesta temporada.
Para terminar, uma questão que
parte duma hipótese, a de estarmos aqui a conversar dentro de um
ano, fazendo o balanço de mais uma temporada. Nessa altura, o que
espera ter para me contar?
B. N. - Muito sinceramente,
espero poder contar que o meu novo bebé – que ainda não sei se
vai ser menino ou menina – nasceu na hora certa, correu tudo bem e
se está a desenvolver normalmente. Para mim isso é o mais
importante, é a nossa vida pessoal, é isso que eu devo à minha
família e é isso que eu pretendo para 2014. Deixo ainda um voto
para a comunidade orientista em geral, de que tudo corra pelo melhor
com as organizações, que as pessoas se motivem para desenvolvermos
a Orientação em Portugal e, sobretudo, que consigamos cativar mais
pessoas para a prática do nosso desporto.
Saudações orientistas.
Joaquim Margarido